domingo, 11 de maio de 2014

20131031 Descartes Paixões da alma Fichamento

Descartes
As paixões da alma


Nota PC: Nesta mirada da obra de Descartes tenho apenas a intenção de registrar onde o autor utiliza "espírito" como o espiritismo o concebe e onde outros sentidos lhe são atribuidos.





"Espíritos animais" - estímulos, da fisiologia mesmo.

Art. 7. Breve explicação das partes do corpo e de algumas de suas funções.
Para tornar isso mais inteligível, explicarei, em poucas palavras, a forma toda de que se compõe a máquina de nosso corpo. Não há quem já não saiba que existem em nós um coração, um cérebro, um estômago, músculos, nervos, artérias, veias e coisas semelhantes; sabe-se também que os alimentos ingeridos descem ao estômago e às tripas, de onde o seu suco, correndo para o fígado e para todas as veias, se mistura com o sangue que elas contêm, aumentando, por esse meio, a sua quantidade. Aqueles que ouviram falar, por pouco que seja, da medicina sabem, além disso, como se compõe o coração e como todo o sangue das veias pode facilmente correr da veia cava para seu lado direito, e daí passar ao pulmão pelo vaso que denominamos veia arteriosa, depois retornar do pulmão ao lado esquerdo do coração pelo vaso denominado artéria venosa7, e, enfim, passar daí para a grande artéria, cujos ramos se espalham pelo corpo inteiro. E mesmo todos os que não foram cegados inteiramente pela autoridade dos antigos, e que quiseram abrir os olhos para examinar a opinião de Harvey no tocante à circulação do sangue8, não duvidam de que todas as veias e artérias do corpo sejam como regatos por onde o sangue não pára de correr muito rapidamente, começando seu curso na cavidade direita do coração pela veia arteriosa, cujos ramos se espalham por todo o pulmão e se juntam aos da artéria venosa, pelo qual ele passa do pulmão ao lado esquerdo do coração; depois segue daí para a grande artéria, cujos ramos, esparsos pelo resto do corpo, se unem aos ramos da veia que levam de novo o mesmo sangue à cavidade direita do coração, de sorte que essas duas cavidades são como eclusas, através de cada uma das quais passa todo o sangue em cada volta que faz pelo corpo.

Demais, sabe-se que todos os movimentos dos membros dependem dos músculos e que estes músculos se opõem uns aos outros, de tal modo que, quando um deles se encolhe, atrai para si a parte do corpo a que está ligado, o que provoca ao mesmo tempo o alongamento do músculo que lhe é oposto; depois, se acontece numa outra vez que este último se encolha, leva o primeiro a alongar-se e puxa para si a parte a que eles estão ligados. Enfim, sabe-se que todos esses movimentos dos músculos, assim como todos os sentidos, dependem dos nervos, que são como pequenos fios ou como pequenos tubos que procedem, todos, do cérebro, e contêm, como ele, certo ar ou vento muito sutil que chamamos espíritos animais.



"Espíritos animais" - estímulos, da fisiologia mesmo.

Art. 8. Qual é o princípio de todas essas funções.

Mas não se sabe comumente de que forma esses espíritos animais e nervos contribuem para os movimentos e os sentidos, nem qual é o princípio corporal que os faz agir; eis por que, embora já tenha tratado algo do assunto em outros escritos, não deixarei de dizer aqui sucintamente que, enquanto vivemos, há um contínuo calor em nosso coração, que é uma espécie de fogo aí mantido pelo sangue das veias, e que esse fogo é o princípio corporal de todos os movimentos de nossos membros.


"Espíritos animais" - estímulos, da fisiologia mesmo.

Art. 11. Como se fazem os movimentos dos músculos.

Pois a única causa de todos os movimentos dos membros é que os músculos se encolhem e seus opostos se alongam, como já foi dito; e a única causa que faz um músculo encolher-se mais do que seu oposto é que recebe, por pouco que seja, mais espírito do cérebro do que o outro. Não que os espíritos que vêm imediatamente do cérebro bastem por si sós para moverem tais músculos, mas determinam os outros espíritos que já existem nesses dois músculos a saírem todos mui prontamente de um deles e a passarem ao outro; dessa maneira, aquele de onde saem torna-se mais longo e mais lasso e aquele no qual entram, sendo rapidamente inflado por eles, se encolhe e atrai o membro a ele ligado.


"Espíritos animais" - estímulos, da fisiologia mesmo.

Art. 101. No desejo.

Enfim, noto, de particular, no desejo, que este agita o coração mais violentamente do que quaisquer das outras paixões, e fornece ao cérebro mais espíritos, os quais, passando daí aos músculos, tornam todos os sentidos mais agudos e todas as partes do corpo mais móveis.


"Espíritos animais" - estímulos, da fisiologia mesmo.

Art. 161. Como pode ser adquirida a generosidade.

É mister notar que    o que chamamos comumente virtudes são hábitos da alma    que a dispõem a certos pensamentos, de modo que são diferentes destes pensamentos, mas podem produzi-los e reciprocamente serem por eles produzidas. É preciso notar também que tais pensamentos podem ser gerados somente pela alma, mas ocorre muitas vezes que algum movimento dos espíritos os fortaleça e, nesse caso, são ações de virtude e ao mesmo tempo paixões da alma; assim, embora não haja virtude à qual o bom nascimento pareça contribuir tanto como a que nos leva a nos apreciarmos apenas segundo o nosso justo valor, e ainda que seja fácil crer que todas as almas postas por Deus em nossos corpos não são igualmente nobres e fortes (o que me levou a chamar esta virtude de generosidade, segundo o uso de nossa língua, de preferência a magnanimidade, segundo o uso da Escola, onde não é muito conhecida), é certo, no entanto, que a boa formação muito serve para corrigir os defeitos do nascimento, e que, se nos ocuparmos muitas vezes em considerar o que é o livre arbítrio e quão grandes são as vantagens advindas do fato de se ter uma firme resolução de usá-lo bem, assim como, de outro lado, quão inúteis e vãos são todos os cuidados que afligem os ambiciosos, podemos excitar em nós a paixão e em seguida adquirir a virtude da generosidade.



Surge o espírito, e o uso alternado de espirito para "espíritos animais" e "espirito" como nós o conheçemos.

"Espírito" = espírito mesmo

Art. 164. Do uso dessas duas paixões.

São a generosidade, a fraqueza do espírito ou a baixeza que determinam o bom e o mau uso dessas duas paixões: pois, quanto mais a alma é nobre e generosa, tanto maior é a inclinação para tributar a cada qual o que lhe pertence144; e assim não se tem somente uma mui profunda humildade perante Deus, mas também se rende sem repugnância toda a honra e o respeito que é devido aos homens, a cada um segundo o grau e a autoridade que tem no mundo, e desprezam-se apenas os vícios. Ao contrário, os que possuem o espírito baixo e fraco estão sujeitos a pecar por excesso, às vezes por reverenciarem e temerem coisas que são dignas unicamente de desprezo, e outras vezes por desdenharem insolentemente as que mais merecem respeito; e passam amiúde mui prontamente da extrema impiedade à superstição, depois da superstição à impiedade, de sorte que não há vício nem desregramento de espírito de que não sejam capazes.


"Espírito" = espírito mesmo

Art. 180. Do uso da troça.

Pelo que respeita à troça modesta, que repreende utilmente os vícios, fazendo-os parecer ridículos, sem que entretanto a gente mesma se ria disso nem testemunhe nenhum ódio contra as pessoas, não é uma paixão, mas uma qualidade de homem de bem, que patenteia a alegria de seu humor e a tranquilidade de sua alma, as quais constituem marcas de virtude e muitas vezes também a finura de seu espírito, por saber dar uma aparência agradável às coisas de que zomba.


"Espírito" = espírito

Art. 188. Quais são os que não são por ela tocados.

Mas só os espíritos malignos e invejosos odeiam naturalmente todos os homens, ou então os que são tão brutais, e de tal forma estão cegados pela boa fortuna, ou desesperados pela má, que pensam que nenhum mal possa acontecer-lhes, são insensíveis à compaixão.


"Espíritos animais" - estímulos

Art. 194. Da ingratidão.

Quanto à ingratidão, não é uma paixão, pois a natureza não pôs em nós nenhum movimento dos espíritos que a excite; mas é apenas um vício direta-mente oposto ao reconhecimento, na medida em que esse é sempre virtuoso e um dos principais laços da sociedade humana; eis por que tal vício só pertence aos homens brutais e tolamente arrogantes que pensam que todas as coisas lhes são devidas, ou aos estúpidos que não fazem nenhuma reflexão sobre os benefícios que recebem, ou aos fracos e abjetos que, sentindo a sua imperfeição e as suas necessidades, procuram baixamente o socorro dos outros, e, depois de havê-lo recebido, odeiam-nos, porque, não tendo vontade de lhes prestar outro semelhante, ou não tendo esperança de podê-lo, e imaginando que todo mundo é tão mercenário como eles e que não se pratica nenhum bem exceto com esperança de ser por ele recompensado, pensam que os enganaram.


Art. 211. Um remédio geral contra as paixões.

E agora que as conhecemos todas, temos muito menos motivo de as temer do que tínhamos antes; pois verificamos que são todas boas por natureza e que só devemos evitar o seu mau uso ou os seus excessos, contra os quais os remédios que expliquei poderiam bastar, se cada um tivesse cuidado bastante para praticá-los. Mas, como incluí entre esses remédios a premeditação e a indústria pela qual se podem corrigir os defeitos naturais, exercitan-do-nos em separar em nós os movimentos do sangue e dos espíritos dos pensamentos aos quais costumam estar unidos, confesso que há poucas pessoas que se tenham suficientemente preparado dessa maneira contra todas as espécies de recontros, e que esses movimentos excitados no sangue pelos objetos das paixões seguem primeiro tão prontamente das simples impressões que se fazem no cerebro e da disposição dos órgãos, ainda que a alma não contribua para tanto, de qualquer maneira, que não há nenhuma sabedoria humana capaz de resis-tir-lhes quando não estamos para isso bem preparados. Assim, muitos não poderiam abster-se de rir, quando lhes fazem cócegas, embora não colham daí nenhum prazer; pois a impressão da alegria e da surpresa que outrora os fez rir pelo mesmo motivo, estando desperta em sua fantasia, faz com que seus pulmões sejam subitamente inflados, contra a vontade, pelo sangue que o coração lhes envia. Assim, os que têm, por natureza, forte pendor para as emoções da alegria e da compaixão, ou do medo, ou da cólera, não podem impedir-se de desmaiar, ou de chorar, ou de tremer, ou de ter o sangue todo agitado como se tivessem febre, quando a sua fantasia é fortemente tocada pelo objeto de alguma dessas paixões.

Paulo Cesar Fernandes

21  10  2013

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