quarta-feira, 7 de março de 2012

Deus cruel


A Bíblia, este livro cruel, não para de massacrar. O Livro de Job é uma fonte de injustiça que não se esgota. Leia!


Agrada ao deus terrível, na sua vileza, provar Job.


Seus amigos o aconselham a se resignar, ele mesmo também pensa nisso. Como lutar contra Deus? Como litigar contra Deus? Esse culto a um espírito exterior irritadiço, inflexível, invencível, pode ser essencialmente idolatria.


Pois o fetichista tem consolação e esperança na multiplicidade de deuses; um vencerá ao outro; estas ficções ingênuas bem representam a situação real do homem: essa variedade de coisas que a tudo remedia. Mas um Deus único que reúne em si espírito e força, massacra, massacra só por prazer.


Job era rico e feliz, tinha amigos; repentinamente se vê pobre, doente, abandonado e isto lhe parece natural. Este grande universo muito mais poderoso que nós, não é, aos olhos de Job mais que pó, modificável a um movimento de um dedo de um homem resoluto; mas não, seu mundo é Espírito, seu mundo é um todo único, e de uma só vontade. O homem, dessa forma se deita e se cala.


O Ocidental, me parece, não é facilmente massacrável. Rejeita, de todo o seu espírito a unidade terrível. Esse Deus objeto, esta substância espinozista, não deixa de negar.


Este mundo que gira, que desaba, nada mais é que fragmento, parcela, é imenso pela acumulação; mas sem projeto; sem idéias; sem decreto, divisível e, mais ainda discordante, absolutamente discordante; no qual o homem busca passagem sem respeito.


Se ele respeita algo no mundo, é poder ousar; Deus vai por aí, está conosco; não contra nós; falível como nós, mas engenhoso como nós; por sua vez invencível em si mesmo. Experimenta massacrar em nossa casa, só experimenta ameaçar, fazer o papel de tirano, para ver. Descartes não era paciente; Descartes tirou a espada. Seus filhos estão vivos; eles não acreditam no mundo. E, além de tudo, nada mais possuem que suas duas mãos, tal como os judeus da Ucrânia.


Falo para meu prazer, direis.


Mas este aspecto humano, esta alegria que me toma, nada mais é que felicidade. De alguém que nega o destino, e jamais diviniza a infelicidade.


Nós escarnecemos como fez Voltaire deste deus da Bíblia, que sempre massacra.


O inimigo que bem vemos, o inimigo infinitesimal, inimigo sem pensamento: o mundo; ele pode o mesmo que nós, quando o infinitesimal se converte em algo mais, ciclone ou vulcão; mas não há, mesmo no maior medo a confusão que alterna ousadia e vontade.


A outra resignação, enfática, fanática resignação, como não a chamar infelicidade? Pois a imaginação reina neste mundo. Uma maldição em si. Tudo o confirma. Pois a benção em si é a felicidade, e o que amamos cada um de nós. É, por efeito inverso que a sabedoria a duras penas chega à vitória; a infeliz metafísica, escrita no olhar; fala no olhar, esta profunda ironia, esta obstinação em viver sem esperança, é irritante.


A piedade não vai longe; esta estreita via marcou as margens da piedade. Tristeza se torna doença. Isto porque rápido odiamos os infelizes, que não se ajudam por força própria. Isto é odioso, à primeira vista nos define uma tristeza imperiosa e doutrinal visando nos destituir do nosso único bem.


Suponha agora duas unidades, dois tolos, sem sabedoria, sem precaução, onde um representa o outro através de uma maneira firme de viver e de pensar, a maldição bíblica vos traz reações cegas, desumanas, inconcebíveis de tal forma, que não se conceba que o furor contra os falíveis encerre uma forma de justiça.






Émile Chartier


5 de novembro de 1927



Émile-Auguste Chartier (Mortagne-au-Perche, 3 de março de 1868 — Le Vésinet, 2 de junho de 1951), cujo pseudônimo literário era Alain, foi um jornalista, ensaísta e filósofo francês.[1]

Ao longo de sua vida utilizará também outros pseudônimos, entre 1893 et 1914, tais como Criton (1893), Quart d'œil ou ainda Philibert, para assinar suas crônicas publicadas em La Dépêche de Lorient (até 1903) e La Dépêche de Rouen et de Normandie, bem como seus panfletos, em La Démocratie rouennaise


Obras
 
Spinoza (1900)



Les Cent un Propos d'Alain (2ème série) (1910)


Propos d'un Normand (1912)


Quatre-vingt-un Chapitres sur l'esprit et les passions (1917)


Petit Traité d'Harmonie pour les aveugles (em braille, 1918)


Les Marchands de Sommeil (1919)


Système des Beaux-Arts (1920)


Mars ou la guerre jugée (1921)


Propos sur l'esthétique (1923)


Lettres au Dr Henri Mondor (1924)


Propos sur les pouvoirs - Éléments d'une doctrine radicale (1925)


Souvenirs concernant Jules Lagneau (1925)


Le citoyen contre les pouvoirs (1926)


Les idées et les âges (1927)


La visite au musicien (1927)


Esquisses de l'homme (1927)


Propos sur le bonheur (1925, edição ampliada em 1928)


Les Cent un propos d'Alain (5ème série) (1928)


Entretiens au bord de la mer (1931)


Vingt leçons sur les Beaux-Arts (1931)


Idées (1932)


Propos sur l'éducation (1932)


Les Dieux (1933)


Propos de littérature (1934)


Propos de politique (1934)


Propos d'économique (1935)


Stendhal (1935)


En lisant Balzac, Laboratoires Martinet, 1935


Histoire de mes pensées (1936)


Avec Balzac , Gallimard, Paris, 1937, réédition 1999.


Souvenirs de guerre (1937)


Entretien chez le sculpteur (1937)


Les Saisons de l'esprit (1937)


Propos sur la religion (1938)


Convulsions de la force (suite à Mars) (1939, reditado em 1962)


Minerve ou de la Sagesse (1939)


Eléments de philosophie (1941)


Vigiles de l'esprit (1942)


Préliminaires à la mythologie (1943)


Idées, introduction à la philosophie (1945)


Vingt et une Scènes de Comédie (1955, obra póstuma)