sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

20160129 Kardec e seu idealismo

Kardec e seu idealismo


Nem todos os textos me emocionam, mas este, por sua simplicidade e beleza me tocou as fibras da alma.

Consta da Revista Espírita de 1864.

Como todo idealista Allan Kardec era pautado pela busca de um mundo melhor. E apostava todas as fichas no Espiritismo.

Se as mudanças sonhadas não ocorreram não culpemos o Espiritismo, mas ao homem comum que elegeu outras prioridades. E tem toda Liberdade para tanto.

Ao texto pois:


O ESPIRITISMO NA BÉLGICA.



Cedendo às prementes solicitações de nossos irmãos espíritas de Bruxelas e de Anvers, fomos lhes fazer uma pequena visita este ano, e estamos felizes em dizer que dali trouxemos a impressão mais favorável pelo desenvolvimento da Doutrina naquele país. Ali encontramos um número maior do que esperávamos de adeptos sinceros, devotados e esclarecidos. A acolhida simpática que nos foi feita, nessas duas cidades, deixou em nós uma lembrança que não se apagará jamais, e contamos os momentos que ali passamos entre os mais satisfatórios para nós. Não podendo dirigir nossos 
agradecimentos a cada um em particular, rogamos-lhes consentirem em recebê-los aqui coletivamente,



Em nosso retorno a Paris, encontramos uma mensagem da Sociedade Espírita de Bruxelas, com a qual ficamos profundamente tocados; nós a conservaremos preciosamente como um testemunho de sua simpatia, mas eles compreenderão facilmente os motivos que nos impedem de publicá-la em nossa Revista. Há, no entanto, uma passagem dessa mensagem que nos fazemos um dever levar ao conhecimento de nossos leitores, porque o fato que revela disso diz mais que longas frases sobre a maneira com as quais certas pessoas compreendem o objetivo do Espiritismo; está assim concebida:


"Em comemoração de vossa viagem à Bélgica, nosso grupo decidiu a fundação de um dormitório para crianças na creche de Saint Josse Tennoode."



Nada poderia ser mais agradável para nós do que um semelhante testemunho. É nos dar a maior prova de estima nos crer mais honrado pela fundação de uma obra de beneficência em memória de nossa visita, do que pelas mais brilhantes recepções que podem gabar o amor-próprio daquele que lhe é objeto, mas não aproveitam a ninguém e nem deixam nenhum traço útil.



Anvers se distingue por um maior número de adeptos e de grupos; mas ali, como em Bruxelas e por toda a parte, aqueles que fazem parte das reuniões, de alguma sorte oficiais e regularmente constituídas, são em minoria. As relações sociais e as opiniões emitidas na conversação, provam que as simpatias pela Doutrina se estendem muito além dos grupos propriamente ditos. Se todos os habitantes não são espíritas, a idéia ali não encontra oposição sistemática; fala-se dela como uma coisa muito natural e dela não se ri. Os adeptos pertencendo em geral à classe do alto comércio, nossa chegada foi a novidade da bolsa e sobressaindo na conversação, sem mais importância que se tratasse da chegada de uma carga.



Vários grupos se compõem de um número limitado de membros, e se designam por um título especial e característico; foi assim que um se intitulou: A Fraternidade, um outro Amor e Caridade, etc. Acrescentamos que esses títulos não são para eles insígnias banais, mas divisas que se esforçam por justificar.



O grupo Amor e Caridade, por exemplo, tem por objetivo especial a caridade material, sem prejuízo das instruções dos Espíritos, que são de alguma sorte a parte acessória. Sua organização é muito simples e dá excelentes resultados. Um dos membros tem o título de esmola, nome que responde perfeitamente às suas funções de distribuir recursos a domicílio, e freqüentemente os Espíritos indicaram com nome e endereço as pessoas às quais eram necessários. O nome de esmola é assim reconduzido ao seu significado primitivo, do qual foi singularmente desviado.



Esse grupo possui um médium tiptólogo excepcional do qual cremos dever fazer adiante o objeto de um artigo especial.



Não fazemos senão constatar aqui os muito bons elementos que permitem augurar do Espiritismo nesse país, onde não tomou raízes senão há pouco, o que não quer dizer que certos grupos não tiveram, lá como em toda aparte, desacordos e decepções inevitáveis quando se trata do estabelecimento de uma idéia nova. É impossível que, no início de uma doutrina, tão importante sobretudo quanto à do Espiritismo, mesmo todos aqueles que se declaram delas partidários, compreender-lhe a importância, a gravidade e as conseqüências; é preciso, pois, esperar encontrar através da rota das pessoas que nele não vêem senão a superfície, ambições pessoais, aqueles para quem é um meio antes que uma convicção de coração, sem falar das pessoas que tomam todas as máscaras para se insinuar tendo em vista servir os interesses dos adversários; porque, do mesmo modo que o hábito não faz o monge, o nome de Espírita não faz o verdadeiro Espírita. Cedo ou tarde esses Espíritas mascarados, cujo orgulho permaneceu vivo, causam nos grupos esfriamentos penosos, e nele suscitam entraves, mas dos quais se triunfa sempre com a perseverança e a firmeza. Essas são provas para a fé dos Espíritas sinceros.



A homogeneidade, a comunhão de pensamentos e de sentimentos são para os grupos Espíritas, como para quaisquer outras reuniões, a condição sine qua non de estabilidade e de vitalidade. É para esse objetivo que devem tender todos os esforços, e compreende- se que é tanto mais fácil atingi-lo quanto as reuniões sejam menos numerosas. Nas grandes reuniões é quase impossível evitar a ingerência de elementos heterogêneos que, cedo ou tarde, semeiam a divisão; mas pequenas reuniões, onde todo o mundo se conhece e se aprecia, se está como em família, o recolhimento é maior, e 
a intrusão dos mal-intencionados mais difícil. A diversidade dos elementos dos quais se compõem as grandes reuniões os torna, por isso mesmo, mais vulneráveis às surdas astúcias dos adversários.



Vale mais, pois, numa cidade, cem grupos de dez a vinte adeptos, dos quais nenhum se arroga a supremacia sobre os outros, do que uma única sociedade que os reunisse todos. Esse fracionamento não pode em nada prejudicar a unidade de princípios, desde que a bandeira seja única e que todos caminhem para um mesmo objetivo. É o que parece terem perfeitamente compreendido nossos irmãos de Anvers e de Bruxelas.



Em resumo, nossa viagem à Bélgica foi fértil em ensinamentos no interesse do Espiritismo, pelos documentos que recolhemos, e que serão aproveitados em tempo oportuno.



Não esqueçamos uma menção, das mais honrosas, ao grupo espírita de Douai, que visitamos de passagem, e um testemunho particular de gratidão pela acolhida que ali recebemos. É um grupo de família, onde a Doutrina Espírita evangélica é praticada em toda a sua pureza. Ali reina a mais perfeita harmonia, a benevolência recíproca, a caridade em pensamentos, em palavras e em ações; respira-se ali uma atmosfera de fraternidade patriarcal, isenta de eflúvios malfazejos, onde os bons Espíritos devem se comprazer tão bem quanto os homens; também as comunicações ali se ressentem da influência desse meio simpático. Ele deve à sua homogeneidade, e aos cuidados escrupulosos que se lhe tem nas admissões, de jamais ter sido perturbado nas dissenções e nos desacordos dos quais outros sofreram; é que todos aqueles que dela fazem parte são Espíritas de coração, e que ninguém ali procura fazer prevalecer a sua personalidade. Os médiuns são relativamente muito numerosos; todos se consideram como simples instrumentos da Providência, e são sem orgulho, sem pretensões pessoais, e se submetem humildemente, e sem se machucarem, ao julgamento dado sobre as comunicações que obtêm, prontos a destruí-las, se elas são consideradas más.



Uma encantadora peça de versos foi obtida em nossa intenção e depois de nossa partida; agradecemos ao Espírito que a ditou e seu intérprete; conservamo-la como uma preciosa lembrança, mas são desses documentos que não podemos publicar e que não aceitamos senão a título de encorajamento. Estamos felizes em dizer que esse grupo não é o único nessas condições favoráveis, e de ter podido constatar que as reuniões verdadeiramente sérias, aquelas onde cada um procura se melhorar, de onde a curiosidade foi banida as únicas que merecem a qualificação de espíritas, se multiplicam cada dia. Elas oferecem uma pequena imagem daquilo que poderá ser a sociedade, quando o Espiritismo, bem compreendido e universalizado, lhe formará a base das relações mútuas. Então, os homens não terão nada mais a temer uns dos outros; a caridade fará reinar entre eles a paz e a justiça. Tal será o resultado da transformação que se opera e da qual a geração futura começará a sentir os efeitos.


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As visitas de Kardec a outras localidades sempre nos trazem verdadeiras aulas de como deveriam ser os espíritas e suas instituições.

Lendo essas obras, em muitos momentos a mim parece Kardec ver o Espiritismo, muito mais como uma ideologia, que como religião ou algo similar. 

Paulo Cesar Fernandes.

29/01/2016.