sexta-feira, 12 de setembro de 2014

20140912 Somos todos Matragas

Somos todos Matragas



Nenhuma religião ou filosofia muda o homem. Somos herdeiros de nosso passado.


E de repente, o cidadão entra para uma religião e se ve transformado. Passa a viver nova vida.


A sociedade pode até achar que isso ocorreu, mas cada uma dessas pessoas sabe da sua realidade interior. Nada mais difícil que mudar.


Nem Paulo de Tarso na Estrada de Damasco mudou. Ele já era correto antes. Ao avistar Jesus, se deu conta de seu equívoco em
perseguir os cristãos. Se retira para a necessária meditação; e quando volta à ativa é o mesmo Paulo. Apenas de posse de um
outro universo conceitual. Se vale das epístolas para divulgar sua nova forma de ver a vida.


Não sei quantos gostam de João Guimarães Rosa. Ele tem um conto chamado "A Hora e a Vez de Augusto Matraga". Nhô Gusto era um desses camaradas violentos, mulherengo, sacana. Enfim, tudo de ruim que um homem pode ser. Seus inimigos armam uma emboscada e lhe dão uma surra para matar. Mas não o matam. Recolhido por um casal de beatos, almas caridosas e boas o tentam salvar. E por um tempo ele se fez converter. Rezava muito, pedia perdão e essas coisas.



Um certo dia um dos bandos que corria os sertões brasileiros se achegou ao rincão onde vivia Nhô Gusto com toda sua
dificuldade. Tentando se manter direito, mesmo sabedor de sua mulher e filha viver com seu inimigo. O chefe do bando
simpatizou de imediato com Nhô Gusto, nas conversas o convida ao uso de uma arma. Ele a usa, e só no seu manejo o chefe do
bando já se apercebe que alí estava um bom de briga. O convida a compor o bando, e este declina o convite.



Num momento posterior ambos se encontram, mas já em lados opostos. O bando queria matar um "cabra" que estava sob proteção do padre local, e Nhô Gusto intercede pelo "cabra" e pelo padre.


Sem proveito, o que o leva a retomar seus antigos brios e lutou
e brigou como sempre o fizera na juventude. Essa retomada era a sua Hora e a sua Vez.



Nós podemos enganar o mundo, mas não a nós mesmos. "Conhece a ti mesmo." é uma realidade.


Nada nos muda a não ser nossa decisão interior. E mesmo tomada tal decisão, o processo de mudança é lento, salpicado de
marchas e contramarchas. Quando pensamos ter vencido tal característica da personalidade nos defrontamos com uma
escorregadela. Daí a necessidade de recomeçar.


A proposta de todas as religiões é a mesma, exatamente a mesma: levar o homem à prática do Bem.


O problema é que não cabe aos "militantes" das religiões a mudança. "O Reino se controe no coração do homem." nos disse
Herculano Pires em sua obra "O Reino". Nada exterior ao Ser tem determinação na caminhada deste.


"Conhece-se o verdadeiro espírita pelo esforço que faça em domar as suas más tendências." é uma frase de Allan Kardec em uma
de suas obras não lembro qual.


É no esforço nosso de cada dia, o nosso dar a cara ao mundo, mostrando a nossa virada vivencial. Isso não ocorre de estalo. É
trabalho lento e persistente.


Cada um sabe de si e não há motivo para julgar ninguém. Podemos sim escolher companheiras e companheiros de jornada.


Determinadas pessoas não nos são interessantes, temos todo o direito ao afastamento. Não por julgamento mas pelo cultivo de
outros valores existenciais.  A Lei de Afinidade define as coisas muito mais do imaginado por nós. Nos aglutinamos segundo
preceitos e projetos afins.


Não te fies em nada fora de ti mesmo. És o maior referencial para tua trajetória, nesta e em outras encarnações. Toma tuas decisões, arma teu farnel, e te lança na estrada. Lembrando sempre o que disse o poeta espanhol Antonio Machado:



"Caminhante. Não há caminho, o caminho o fazemos ao caminhar."


Paulo Cesar Fernandes

12/09/2014

domingo, 7 de setembro de 2014

20140907 Temporalidade das ideias

Temporalidade das ideias
 




Acabo de ler Revisão do Cristianismo de José Herculano Pires numa edição impressa em 1977.


Interessante perceber como àquele tempo a data de escritura das obras era desprezada, não marcando assim o momento do pensamento do autor.


Foi o capítulo VI - O Olimpo Cristão.


Tendo como foco a Igreja Católica tece críticas pesadas. Justamente num tempo de surgimento dos padres operários, e das primeiras CEBs (Comunidades Eclesiais de Base). Iniciativas ainda dentro do Momento Ditatorial cujos desdobramentos todos devemos saber.


Em minha leitura daquele momento, havia plena concordância com Herculano.


Hoje, eu não mais vejo a Igreja Católica da mesma forma, e tenho certeza o próprio Herculano, com sua capacidade de descortínio histórico já não a ve da mesma forma.


Nossas ideias tem uma temporalidade, se lidamos com sociologia e mesmo com filosofia. Os fatos sociais são históricos e mudando a história nossa leitura de tudo deve acompanhar tal mudança.


Não fazendo assim, corremos o risco de uma postura estacionária, e perversamente retrógrada.


Isso não deve nos impedir de opinar sobre os temas candentes de cada momento histórico. Mas sempre tendo a certeza de estarmos lidando com ideias datadas, e certamente no tempo serão superadas.


Essa a dinâmica da vida em seu progresso inevitável.


Fugir disso é assentar na mesmice, e no desinteresse dos possíveis leitores.


Quando avança a cultura da humanidade devemos estar atentos; não para seguir qualquer "movimentinho novidadoso", mas para perceber aquilo cujo fundamento trará evidentes impactos nas formas de conceber a vida e de vivenciá-la.


Todas as ideias se movem no sentido do progresso. Não observar esse detalhe é perder o bonde da história. O que não desejo para nenhum de nós.



Paulo Cesar Fernandes

07/09/2014