quinta-feira, 10 de outubro de 2013

20131010 A trama do Professor

A trama do Professor


Este texto de Herculano Pires foi de difícil leitura.


Em diversos trechos sua postura era de alguém pensando mesmo antes da década de setenta.


De lá para cá o pensamento de parte dos espiritas teve um salto de qualidade, seja pelo seu padrão cultural, seja por atingir uma forma de pensar não sectéria e mais despojada de toda ortodoxia. Nem Kardec foi ortodoxo em suas obras, sabia ser afirmativo sem imposições, sempre resguardando a posição dos espíritos.


Aqui Herculano cai na esparrela da "Lei de Ação e Reação" uma questão sem cabimento no transcurso ético do espírito. Dentro das Ciências Exatas tal proposição é cabível. No concernente ao destino do homem é uma baboseira total.


Peço ao leitor uma análise muito crítica do texto a seguir. Caso concorde plenamente com Herculano Pires me perdoe pelo tempo que lhe tomei, caso venha a divergir peço que deixe suas considerações no espaço reservado aos COMENTÁRIOS. Adiante:


***

A Trama de Ações e Reações na Vida Humana


Problema intrigante para muita gente é das ações e reações de indivíduos e de grupos humanos em face da teoria do livre-arbítrio.


Há quem não consegue entender essa duplicidade contraditória, perguntando como podemos ser responsáveis por atos que já estavam determinados em nosso destino. Fala-se no Karma, palavra indiana de origem sânscrita, como de um fatalismo absoluto a que ninguém escapa. A palavra Karma não pertence à terminologia espírita, mas infiltrou-se no meio espírita, através das correntes espiritualistas de origem indiana por dois motivos: o seu aspecto misterioso e a vantagem de reduzir ao mínimo a expressão lei de ação e reação. Não há nada de prejudicial nessa adaptação prática de uma palavra estranha, cujo conceito se adapta perfeitamente à expressão espírita. O prejuízo aparece quando certas pessoas pretendem que a palavra mantenha entre nós o seu significado conceitual de origem, modificando o sentido do conceito
doutrinário. Segundo o Espiritismo, ação e reação dependem da consciência. A responsabilidade humana decorre das exigências conscienciais e está sempre na razão direta do grau de desenvolvimento consciencial das criaturas. Por outro lado, esse desenvolvimento depende das condições de liberdade e do grau de opção de que ascriaturas dispõem. Justamente por isso o problema, que parece simples à primeira vista, torna-se bastante complexo quando o examinamos.


Nas fases inferiores da evolução, em que o princípio inteligente passa por ações e reações destinadas a desenvolver as suas potencialidades, a ação da lei é natural e automática. Não existe ainda a consciência individual coletiva responsável; nas fases seguintes, até ao plano dos animais superiores e dos antropóides, a consciência está ainda em formação; mas ao iniciar-se a humanização, quando o espírito recebe, segundo a bela expressão de A Gênese, de Kardec – quando Deus põe o seu selo na fronte do indivíduo, com a auréola da Razão – este e o grupo começam a assumir a responsabilidade dos seus atos e pensamentos. Este princípio não se refere apenas a essas fases iniciais, mas estende-se a todo o desenvolvimento humano, como vemos em diversas passagens evangélicas, como na resposta de Jesus aos fariseus: “Até agora dissestes não saber e não tínheis pecado, mas agora dizeis saber e subsiste o vosso pecado.” E como no caso da mulher adúltera, em que ninguém atirou a primeira pedra para a sua lapidação. Dessa maneira, parece-nos fácil a compreensão do problema. Quem faz, sabendo que faz, é responsável pelo que
fez. Quem faz por instinto, automatismo, compulsão inconsciente ou condicionamento social não tem responsabilidade pelo que fez ou pelo menos tem a sua responsabilidade atenuada. Por outro lado, as compulsões determinadas pelo passado nem sempre são fatais, podendo ser atenuadas ou mesmo eliminadas pelo
comportamento favorável dos responsáveis na vida atual. Dessa maneira, não há contradição, mas seqüência e equilíbrio entre o fatalismo das conseqüências anteriores e a liberdade atual do indivíduo ou grupo. E a própria responsabilidade coletiva não é massiva, distribuindo-se o efeito na medida exata das responsabilidades individuais de cada um de seus componentes. Há ainda o problema do fatalismo voluntário, decorrente do pedido de espíritos culpados de passarem pelo que fizeram aos outros.
Nesses casos, a consciência pesada do indivíduo ou do grupo só pode aliviar-se com a auto-imolação dos culpados. Com isso desaparece a falsa teoria da Ira de Deus e
da vingança divina provinda de épocas de obscurantismo e de concepção extremamente antropomórfica de Deus. A Justiça Divina, segundo a concepção espírita, não é ditada por um tribunal remoto e de tipo humano, mas exclusivamente pela consciência do réu. É ele mesmo quem se condena, no tribunal especial instalado em sua
consciência. Por isso, enquanto essa consciência não está suficientemente desenvolvida, a punição tarda, mas quando ela atinge o grau necessário de responsabilidade a punição se manifesta de maneira rigorosa.


Como pode uma criança inocente, pergunta-se às vezes, ser condenada por Deus a morrer esmagada num acidente? Primeiro temos de lembrar que a criança não é inocente, mas está vestida com a roupagem da inocência, como observou Kardec. Depois, é preciso lembrar que o homem responsável pelo ato de brutalidade em que esmagou uma criança no passado, sob o amparo de legislação humana, sente a necessidade de sofrer uma violência correspondente, para livrar a sua consciência do peso que a esmaga e que o impede de continuar avançando em sua evolução. Os familiares da criança são participes do crime do passado e pagam a sua cota de responsabilidade com o mesmo fim de se libertarem. Aquilo, pois, que parece uma atrocidade divina, não passa de uma imolação em grupo, determinada pelas próprias consciências culpadas. Mas há também imolações voluntárias e sem culpa que as justifique, pedidas por espíritos que desejam socorrer criaturas amadas que se afundam nas ilusões da vida material, necessitando de um choque profundo que as arranque do caminho do erro, onde acumulam conseqüências dolorosas para si mesma. São atos sublimes de abnegação e de amor, que elevam o espírito abnegado e abrem novas perspectivas para os que sofreram o que, em nossa ignorância, chamamos desgraça determinada pela impiedade divina. Os responsáveis pelo acidente responderão por sua culpa no tribunal de suas próprias consciências.


Os Espíritos falam em contabilidade divina, registros e fichários especiais do mundo espiritual, para nos darem uma idéia humana da Justiça Suprema, mas essa Justiça não precisa dos nossos recursos inseguros e falhos. A mecânica de ações e reações é processada subjetivamente em cada um de nós e o fichário de cada qual está visível nos registros da memória de cada um, inscritas de maneira viva e ardente nos arquivos da consciência subliminar a que se referia Frederic Myers. Não há organização mais perfeita e infalível do que essa. A misericórdia divina manifesta-se nas intervenções consoladoras e nos socorros dispensados aos sofredores para que possam suportar os seus pesados resgates. Mas por que toda essa complicada engrenagem, se Deus é onipotente e onisciente? Não poderia Ele no seu absolutismo total, livrar as criaturas desse trânsito penoso pelos caminhos da evolução, fazendo-as logo perfeitas em ato? Essa objeção comum, provinda dos desesperados ou dos materialistas, provêm da idéia falsa do mundo como uma realidade mágica, produzida por Deus no simples ato oral do fiat. A complexíssima estrutura da realidade, em suas múltiplas dimensões cósmicas, devia ser suficiente para mostrar-nos quanto ainda estamos longe de compreender Deus. Certamente não seriamos nós, criaturas do seu amor, em fase embrionária de desenvolvimento espiritual que iríamos perceber agora o que Ele sabe desde todos os tempos. Temos de revisar os nossos ingênuos conceitos de Deus, gerados pela nossa pretensão e as nossas superstições. Se Deus pudesse fazer tudo mais fácil, com a destreza inconseqüente de um malabarista que tira coelhos da cartola, é evidente que já seriamos há muito tempo anjos, arcanjos e serafins, revoando felizes e inúteis nas regiões celestiais. Indagar como e por que motivo Deus não age como um malabarista é simplesmente revelar a extensão da nossa ignorância. Como podemos conhecer os problemas divinos, se ainda não conhecemos sequer os humanos?


Mas podemos imaginar o seguinte, a partir de certas concepções contemporâneas, como a teoria do físico inglês Dirac sabre o oceano de elétrons livres em que o Cosmos estaria mergulhado, a da luz infravermelho de que o Universo teria surgido, segundo físicos russos, a teoria do Deus-Éter, de Ernesto Bozzano, e, por fim, a que nos parece mais aceitável, a tese de Gustav Geley, ex-presidente do Instituto de Metapsíquica de Paris, sobre o dínamo-psiquismo-inconsciente que impulsiona todas as coisas do inconsciente ao consciente, sendo este o título do seu livro a respeito. Deus poderia ser interpretado, à luz dessa teoria, como a Unidade no Inefável da intuição pitagórica ou o Eterno Existente e Incriado da concepção budista. O dínamopsiquismo de Geley explicaria, no caso, o estremecimento inexplicável da Unidade que
desencadeou a Década, estruturando o Universo. O dínamo-psiquismo-inconsciente de uma realidade estática teria atingido o consciente, num tempo remoto em que a Consciência Única e Suprema surgiria na solidão do Caos, gerando por sua determinação consciente e sua vontade a estrutura do Cosmos, com todas as leis que o regem. Consciência Única e Suprema, seria a Inteligência Absoluta da concepção espírita, criadora de todas as coisas e todos os seres. Essa Idéia de Deus supriria as lacunas lógicas do processo da Criação, conservando-lhe todos os atributos. Ao mesmo tempo, a mitologia antropomórfica e absurda do Deus das igrejas desapareceria, sendo substituída por uma hipótese científica de força e matéria unificadas na mão de uma Consciência Cósmica não pessoal. Claro que esta não seria a solução do
problema que ninguém pode resolver por conta própria, mas uma tentativa de equação nas bases científicas do nosso conhecimento atual. Resta sempre uma dúvida insolúvel. Se Deus realizou-se na evolução comum de todas as coisas e seres, quem estabeleceu essa lei evolutiva e quem criou, antes de Deus o Inefável e o dínamo-psiquismo-inconsciente?


A questão é solipsista, tautológica, girando sempre em torno de um ponto único de que não podemos sair. O que prova a nossa total impossibilidade, em nosso estágio evolutivo atual, de conseguir resolvê-la. E o Espiritismo a coloca nos devidos termos, ao dizer que só chegaremos à sua solução quando avançarmos o suficiente na escala evolutiva. Temos de subir a planos ainda muito distantes de nós para chegarmos a vislumbrar a verdade a respeito. De qualquer maneira, entretanto, temos de colocá-la, para mostrar que o Espiritismo não endossa as absurdas concepções teológicas, nem os mistérios absolutos que regam a percepção dos enigmas metafísicos. Deus espera a nossa maturação espiritual para nos revelar o que agora não podemos entender. Somos filhos e herdeiros de Deus e toda a Verdade nos espera nas supremas dimensões da Realidade Universal, de que conhecemos apenas uma reduzida parcela. Por outro lado, não podemos admitir que, a pretexto de nossa impotência atual, os supostos agraciados com uma sabedoria infusa nos imponham como verdades reveladas suas conclusões dogmáticas sobre problemas inconclusos.


A posição espírita é a única aceitável atualmente: Deus existe como a Causa Inteligente do efeito inteligente que é o Todo Universal, e por este efeito podemos avaliar a grandeza da Causa. Esta é a conclusão a que podemos chegar e a que Kardec chegou muito antes de podermos dispor dos recursos atuais das Ciências.


A existência de Deus é aceita como a maior e mais poderosa realidade com que nos defrontamos e que não podemos negar sem cairmos na situação ilógica de quem pretende negar a evidência. A colocação do problema por Kardec, baseado nos diálogos com os Espíritos Superiores, prova ao mesmo tempo a grandeza conceptual do Espiritismo, a firme posição científica e filosófica do Codificador, a elevação intelecto-moral dos Espíritos que o assistiram e a capacidade espírita de enfrentar racionalmente todos os problemas do homem e do mundo. Graças a isso, o Espiritismo se apresenta em nosso tempo como aquela síntese superior do Conhecimento Humano a que Léon Denis se referiu em O Gênio Céltico e o Mundo Invisível.


A trama das ações e reações na vida humana, que determina a extrema variedade dos destinos individuais e coletivos, não pode mais, diante dos princípios comprovados da doutrina, ser considerada como ocorrência de fatores ocasionais, aleatórios, que pudessem escapar das leis naturais que regem a totalidade cósmica em todas as suas minúcias, desde as simples amebas até às galáxias no Infinito. A ordem rigorosa dos eventos em todos os planos da realidade, as supostas lacunas que a pesquisa científica preenche, mais hoje, mais amanhã, descobrindo que pertencem a conexões ainda não conhecidas, as particularidades que confirmam a existência de uma estrutura sutil regendo ações e movimentos por toda parte, evidenciam a presença de uma inteligência vigilante e atenta. A Cibernética e a Biônica demonstraram quanto temos de aprender com a Natureza no tocante aos organismos animais. Seria estranho que nessa maravilhosa estrutura macro e micro refinada, as ações e reações da vida humana fossem esquecidas à margem. Por outro lado, o livre-arbítrio do homem não é apenas resguardado, mas também protegido e incentivado pelas
responsabilidades que sobre ele se acumula sem cessar. Tudo é importante e significativo no caleidoscópio universal. Cada ação, sentimento, pensamento e anseio das criaturas humanas pesa na balança de todos os destinos. E isso se comprova diariamente na vida particular e na vida coletiva dos homens.


Não vivemos por viver, mas para existir na transcendência.

***

Embora seja sempre instigante ler o Professor, desta vez me foi muito desgastante. São muitas as minhas divergências deste texto.


Mesmo levando em consideração se tratar de um texto da década de sessenta ou setenta.


Paulo Cesar Fernandes

10 10 2013