sábado, 12 de abril de 2014

20140412 As pedras do preconceito

As pedras de Java
Revista Espírita, janeiro de 1860




 
Bruxelles, 9 de dezembro de 1859.

Senhor Diretor,

Li, na Revista Espírita, o fato narrado por Ida Pfeiffer, sobre as pedras caídas em Java na presença de um oficial superior holandês, com o qual estive fortemente ligado em 1817, uma vez que foi ele quem me emprestou suas pistolas e serviu de testemunha no meu primeiro duelo. Chamava-se Michiels, de Maestricht, e se tornou general em Java. A carta que relatava este fato acrescentava que essa queda de pedras, na habitação isolada do distrito de
Chéribon não durou menos que doze dias, sem que os sentinelas colocados pelo general nada houvessem descoberto, nem ele durante todo o tempo que ali ficou. Essas pedras, formadas por uma espécie de pedra vulcânica, pareciam se criar no ar, a alguns pés do teto. O general fez encher várias cestas delas, os habitantes vinham procurá-las para delas fazer amuleto, e mesmo remédio. Este fato é muito conhecido em Java, porque se renova muito
freqüentemente, sobretudo os escarros de siry. Várias crianças foram perseguidas por pedradas em campo raso, mas sem serem atingidas. Dir-se-ia Espíritos falsantes que se divertem fazendo medo às pessoas. Evocai o Espírito do general Michiels, talvez vos explique esse fato. O doutor Vanden Kerkhove, que morou muito tempo em Java, confirmou-me como vos afirmo que vossa Revista torna-se todos os dias mais interessante, mais moralizante e mais procurada em Bruxelas.

Aceitai, Jobard.

 
O caráter conhecido da senhora Ida Pfeiffer, a marca de veracidade que levam todas essas narrações, não nos deixam nenhuma dúvida sobre a realidade do fenômeno em questão: mas concebe-se toda a importância que venha acrescentar-lhe a carta do senhor Jobard, pelo testemunho da principal testemunha ocular encarregada de verificar o fato, e que não tinha nenhum interesse em acreditá-lo se o reconhecesse falso. Em primeiro lugar, a natureza
porosa dessa chuva de pedras poderia fazê-lo atribuir uma origem vulcânica ou aerolítica, e os cépticos não faltariam para dizerem que a superstição enganou-se sobre um fenômeno natural. Se não tivéssemos senão o testemunho dos Javaneses, a suposição seria fundada, e essas pedras, caídas em campo raso, viriam, sem contradita, em apoio desta opinião. Mas o general Michaels e o doutor Vanden Kerkhove não eram Malaios, e suas afirmações têm algum valor. A esta consideração, já muito poderosa, é necessário acrescentar que essas pedras não caíam somente em pleno ar, mas num quarto onde pareciam se formar a alguma distância do teto: foi o general quem o afirmou; ora, não pensamos que se viu aerolitos se formarem na atmosfera de um quarto. Admitindo-se a causa meteorológica ou vulcânica, não se saberia dizer dos escarros de siry que os vulcões jamais vomitaram, pelo menos de nosso conhecimento. Descartada esta hipótese pela própria natureza dos fatos, resta saber como essas substâncias puderam se formar. Encontrar-se-á a explicação em nosso artigo do mês de agosto de 1859, sobre o Mobiliário

de além-túmulo.





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É totalmente inaceitável o preconceito e o Eurocentrismo de Kardec, por mais respeito nos seja merecedor. Este é apenas um registro, objetivando a não mitificação de nenhum dos nossos antecessores no processo de conhecimento e reconstrução do espiritismo.

Lembrar sempre: sendo o espiritismo uma área do conhecimento, está sujeito a todas as leis relativas a qualquer área do conhecimento, e muito fortemente a instabilidade de seus conceitos. Não há, no Espiritismo tal o concebo, nenhuma cláusula pétrea. Tudo é passível de questionamento. De novas interpretações e visões, desde que estejam baseadas em pesquisas bem elaboradas, com rezoabilidade científica.

Voltando ao preconceito e ao eurocentrismo ainda hoje presente. Embora nomes como Enrique Dussel, Nestor Garcia Canclini, Adolfo Sánchez Vázquez, venham revertendo esse quadro a ponto de alguns alemães se deslocarem ao México para desenvolver suas teses de Doutoramento junto aos intelectuais da UNAM (Universidade Nacional Autonoma do Mexico), tendo-os por orientadores.

O que desencadeou o Eurocentrismo?

Se um homem como Kardec, de reconhecido quilate intelectual, tinha tal postura quanto aos povos não europeus, que se dirá dos Conquistadores das Américas cuja saga aniquilou 56 milhões de criaturas. Cinquenta e seis milhões de mortes totalmente injustas dadas as condições de armamentos dos Povos Originários de nosso continente.

Se para Kardec os malaios, os habitantes de Java e suas opiniões nenhum valor tinham.



Por outro lado, o Professor Herculano Pires, em seu livro "O Espírito e o Tempo", se vale do pensamento linear e natural dos povos da Indonésia, para reafirmar a realidade da aparição de espíritos, em reuniões por estes povos realizadas ao cair da tarde, onde os antepassados se apresentavam e interagiam com a comunidade.

Na verdade, homens de origens geográficas diferentes, e postados em saberes também diferentes. Uma série de descobertas científicas separam a Era de Kardec da Década de Herculano Pires. E o tempo é elemento interveniente em nosso processo de progresso intelectual.

Na atualidade, alguns meses já podem trazer novas configurações ao nosso pensamento. Basta sejamos aptos à busca do novo e abertos às contribuições de todos os povos. Desde os Povos Originários de qualquer parte do mundo aos povos escandinavos, tidos como os mais avançados, social e culturalmente.

Todo preconceito nos apequena, diante do acolhimento enobrecedor.

Paulo Cesar Fernandes

12 04 2014