terça-feira, 23 de setembro de 2014

20140923 Não são perdas na verdade


Conversas familiares de além túmulo
 
Revista Espírita, março de 1861


Senhora Bertrand (Haute-Saône.)

Falecida a 7 de fevereiro de 1861, evocada na Sociedade Espírita de Paris, no dia 15 do mesmo mês.


Nota. A senhora Bertrand fizera um estudo sério do Espiritismo, cuja doutrina ela professava, e da qual compreendia toda a
importância filosófica.


1. Evocação.
- R. Estou aqui.



2. A vossa correspondência nos ensinou a vos apreciar, e conhecendo a vossa simpatia pela Sociedade, pensamos que não
saberíeis ter má vontade de vos ver chamada tão cedo.
- R. Vedes que estou aqui.



3. Um outro motivo me determina pessoalmente fazê-lo: conto escrever à senhorita vossa filha a respeito do acontecimento que
'vem de atingi-la, estou seguro que ela ficará feliz em conhecer o resultado de nossa palestra.
- R. Certamente; ela o espera, porque eu lhe prometera de me revelar tão logo uma evocação me fosse dirigida.



4. Esclarecida como estáveis sobre o Espiritismo, e penetrada dos princípios desta doutrina, as vossas respostas serão para nós duplamente instrutivas. Quereis, primeiro, nos dizer se tardastes muito a vos reconhecer, e se já recobrastes o pleno gozo das vossas faculdades?
- R. O pleno gozo das minhas antigas faculdades, sim; o pleno gozo das minhas novas faculdades, não.



5. O uso é perguntar aos vivos como eles estão; mas aos Espíritos se lhes pergunta se são felizes; é com um profundo sentimento de simpatia que vos dirigimos esta última pergunta.
- R. Obrigada, meus amigos. Eu não sou ainda feliz no sentido espiritualista da palavra; mas sou feliz pela renovação do meu

ser arrebatado em êxtase; pela visão das coisas que nos são reveladas, mas que compreendemos ainda imperfeitamente, por bom médium ou Espírita que sejamos.


6. Quando viva fizestes uma idéia do mundo Espírita pelo estudo da doutrina; quereis nos dizer se encontrastes as coisas tais
como vos representastes?
- R. Mais ou menos, como vemos os objetos na incerteza da semi-escuridão; mas como são diferentes quando a luz brilhante as

revela!


7. Assim, o quadro que nos é dado da vida Espírita, nada tem de exagerado, nada tem de ilusório!
- R. Ele é reduzido pelo vosso Espírito que não pode compreender as coisas divinas senão atenuadas e veladas; agimos convosco

como o fazeis com as crianças, às quais não mostrais senão uma parte das coisas dispostas para o seu entendimento.


8. Postes testemunha do instante da morte do vosso corpo?
- R. Meu corpo, esgotado por longo sofrimento, não teve que suportar uma grande luta; minha alma se destacou dele como o

fruto maduro cai da árvore. O aniquilamento completo de meu ser impediu-me de sentir a última angústia da agonia.


9. Poderíeis nos descrever as vossas sensações no momento do despertar?
- R. Não há despertar, ou antes me pareceu que havia continuação; como depois de uma curta ausência se re-entra em si, me

pareceu que apenas alguns minutos me separavam daquilo que acabava de deixar. Errante ao redor de meu leito, me vi desdobrada, transfigurada, e não podia afastar-me, retida que estava ao menos ao que me parecia, por um último laço a esse envoltório corpóreo que tanto me fizera sofrer.


10. Vistes imediatamente outros Espíritos vos cercarem?
- R. Logo vieram me receber. Então, afastei o meu pensamento do meu eu terrestre, e o eu espiritual transportado submergiu no
delicioso gozo das coisas novas e conhecidas que eu reencontrava.



11. Estáveis entre os membros de vossa família durante a cerimônia fúnebre?
- R. Vi carregar o meu corpo, mas me afastei logo; o Espiritismo desmaterializa, por antecipação, e torna mais súbita a
passagem do mundo terrestre para o mundo espiritual. Eu não trouxe, de minha migração sobre a Terra, nem vãos lamentos e nem curiosidades pueris.


12. Tendes alguma coisa de particular a dizer à senhorita vossa filha que partilha vossas crenças, e me escreveu várias vezes
em vosso nome?
- R. Eu lhe recomendo dar aos seus estudos um caráter mais sério; eu lhe recomendo transformar a dor estéril em lembrança piedosa e fecunda; que ela não esqueça que a vida prossegue sem interrupção, e que os frívolos interesses do mundo se
enfraquecem diante da grande palavra: Eternidade! Aliás, a minha lembrança pessoal, terna e íntima, logo lhe será transmitida.


13. No mês de janeiro, eu vos dirigi um cartão de visita com retrato; como jamais me vistes, quereis nos dizer se me
reconheceis.
- R. Mas eu não vos conhecia; eu vos vejo.


Não recebestes o meu cartão?
- R. Eu não me lembro dele.



14. Eu teria várias perguntas importantes a vos dirigir sobre os fatos extraordinários que se passaram em vossa residência, e
que nos fornecestes, penso que poderíeis nos dar, a esse respeito, interessantes explicações; mas a hora avançada e a fatiga do médium me convidam a adiá-las; limito-me a algumas perguntas para terminar. Embora a vossa morte seja recente, já deixastes a Terra? Percorrestes os espaços e visitastes outros mundos?
- R. A palavra visitar não corresponde ao movimento tão rápido que é a palavra que nos faz, tão rápida quanto o pensamento,

descobrir panoramas novos. A distância não é senão uma palavra, como o tempo não é senão uma mesma hora para nós.


15. Preparando as perguntas que se propõe dirigir a um Espírito, é geralmente uma evocação antecipada; quereis nos dizer se, por isso, estáveis prevenida quanto às nossas intenções, e estáveis perto de mim, ontem, quando preparava as perguntas?
- R. Sim, eu sabia tudo o que me dirias hoje, e respondo com desenvolvimento às perguntas que reservastes.



16. Quando viva teríamos sido muito felizes em vos ver entre nós, mas uma vez que isso não ocorreu, somos igualmente felizes em vos ver em Espírito, e vos agradecemos pela vossa solicitude em responder ao nosso chamado.
- R. Meus amigos, eu seguia os vossos estudos com interesse, e agora que posso habitar entre vós em Espírito, vos dou o

conselho de vos prender ao Espírito mais do que à letra.

Adeus.



A carta seguinte nos foi dirigida com respeito a esta evocação:

Senhor,

É com um sentimento de profundo reconhecimento que venho vos agradecer, em nome de meu pai e no meu, de ter precedido o nosso
desejo de receber, por vós, as novidades daquela que choramos.


As numerosas provas morais e físicas que minha cara e boa mãe teve para suportar durante a sua existência, sua paciência em
suportá-las, seu devotamento, sua completa abnegação de si mesma, me faziam esperar que ela estava feliz; mas a segurança que vindes disso nos dar, Senhor, é uma grande consolação para nós que a amávamos tanto, e queremos a sua felicidade antes da
nossa.


Minha mãe era a alma da casa, Senhor; não tenho necessidade de vos dizer que vazio a sua ausência aí deixou; sofremos por não
mais vê-la, mais do que não saberíeis exprimi-lo, e todavia, sentimos uma certa inquietude de não mais senti-la nas dores
atrozes que ela experimentou. Minha pobre mãe era uma mártir; deve ter uma bela recompensa pela paciência e a doçura com as
quais ela suportou todas as suas angústias; a sua vida não foi senão uma longa tortura de espírito e de corpo. Seus sentimentos elevados, a sua fé em uma outra existência a sustentaram; tinha como um pressentimento, e uma lembrança velada, do mundo dos Espíritos; freqüentemente a via, olhando com piedade as coisas do nosso planeta, me dizer: Nada neste mundo pode me bastar; tenho a SAUDADE de um outro mundo.


Nas respostas que a minha querida e adorada mãe vos deu, Senhor, reconhecemos perfeitamente a sua maneira de pensar e de se
exprimir; ela gostava de se servir de figuras. Somente estou admirada de que ela não tenha se lembrado do vosso envio do
cartão de visita com retrato que lhe fizestes com um tão grande e tão vivo prazer; devo vos agradecer por isso de sua parte;
minhas numerosas ocupações, durante os últimos tempos da enfermidade de minha venerada mãe, não me permitiram fazê-lo; creio que, mais tarde, ela se lembrará melhor; no momento ela está embriagada com os esplendores de sua nova vida; a existência que
ela acaba de terminar não lhe aparece senão como um sonho penoso já bem longe dela. Esperamos, também, meu pai e eu, que ela virá nos dizer algumas palavras de afeto das quais temos muita necessidade. Seria uma indiscrição, Senhor, vos pedir, quando
minha boa mãe vos falar de nós, de disso nos dar ciência? Fizestes-nos tanto bem vindo nos falar dela, vindo nos dizer de sua
parte que ela não sofre mais! Ah! Obrigada ainda, Senhor!


Peço a Deus, de coração e de alma, que vos recompense por isso. Em me deixando, minha mãe querida priva-me da melhor das
mães, da mais terna das amigas; me é necessária a certeza de sabê-la feliz, e a minha crença no Espiritismo para me dar um pouco de força.


Deus me sustentou; a minha coragem foi maior do que não o esperava.


Recebei, etc.


Nota de Allan Kardec.

Que os incrédulos riam tanto quanto queiram do Espiritismo; que seus adversários, mais ou menos interessados, o tornem em
ridículo, que o anatematizem mesmo, isso não lhe tirará essa força consoladora que faz a alegria do infeliz, e que o faz triunfar da má vontade dos indiferentes, a despeito dos seus esforços para abatê-lo.


Os homens têm sede de felicidade; quando não a encontrarem sobre a Terra não será um grande alívio ter a certeza de encontrá-la numa outra vida, tendo-se feito o necessário para merecê-la. Quem, pois, lhe oferece mais alívio para os males da Terra? É o materialismo, com a horrível expectativa do nada? É a expectativa das chamas eternas, das quais não escapa um sobre milhões? Não vos enganeis com isso, essa perspectiva é ainda mais horrível do que a do nada, e eis porque aqueles cuja razão se recusa admiti-la são levados ao
materialismo; quando se apresentar aos homens o futuro de maneira racional, não haverá mais materialistas. Que não se admire, pois, em ver as idéias espíritas acolhidas com tanta solicitude pelas massas, porque elas levantam a coragem em lugar de abatê-la. O exemplo da felicidade é contagioso; quando todos os homens verem ao seu redor pessoas felizes pelo Espiritismo, se lançarão nos braços do Espiritismo como sobre uma tábua de salvação, porque preferirão sempre uma doutrina que sorri e fala à razão àquelas que apavoram. O exemplo que acabamos de citar não é o único desse gênero, é por milhares que se nos oferecem, e a maior alegria que Deus nos reservou neste mundo é a de sermos testemunhas dos benefícios e dos progressos de uma crença que os nossos esforços tendem a difundir. As pessoas de boa vontade, aquelas que vêm nele haurir consolações são tão numerosas, que não saberíamos furtar o nosso tempo, em nos ocupando com indiferentes que não têm nenhum desejo de se convencerem.


Aqueles que vêm a nós bastam para absorvê-lo, é por isso que não vamos ao encontro de ninguém; por isso também não o perdemos respigando nos campos estéreis; a vez dos outros virá, mais cedo do que pensam, para a glória de uns, e para a vergonha de outros.

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Tenho apenas duas certezas na vida:

1) A imortalidade do espírito;

2) O amor como força propulsora do progresso.

Delas deriva meu agir na face da terra. Tendo sempre em conta que o homem se conhece por seus atos e nunca por suas palavras.


Paulo Cesar Fernandes

23/09/2014