Fichamento
José Herculano Pires
O Ser e a Serenidade
Questões
de terminologia
A linguagem
filosófica, à semelhança da científica e da poética, exige a utilização, e às
vezes a criação de termos especiais, para a tradução exata do pensamento.
Assim, parece às vezes difícil, pedante ou rebarbativa.
Penso que aqui o professor
amaciou a questão atribuindo à linguagem as dificuldades no enfrentamento do
texto. Sem dúvida a terminologia é importante, mas o conteúdo me parece mais
distante do nosso dia a dia; das nossas naturais reflexões.
Com um pouco de persistência
trilhamos os raciocínios de Herculano Pires.
Os conceitos
científicos e filosóficos não tem a carga psíquica da tradição oral comum. São formulações
novas do pensamento, que exigem formas novas de tradução oral e escrita, para a
clareza de sua compreensão, pelo menos a clareza possível. Não é por esnobismo
ou por querer fingir profundidade que o cientista e o filósofo empregam aquilo
que, pejorativamente, costuma-se chamar o
seu jargão. É por necessidade.
A terminologia é parte
integrante do método, quando não se arvora, como muitas vezes acontece na
filosofia, no próprio método. Neste livro, isto não aconteceu. Mas o leitor
verá que a terminologia se apresenta como instrumento metodológico fundamental.
Sem ela, seria difícil ao autor colocar numerosos problemas mentalmente
percebidos. Por isso, pareceu-nos importante a colocação prévia destas questões
terminológicas. Para bem penetrar nas reflexões que se seguem, percebendo-lhe
as conotações essenciais, o leitor deve ter primeiramente assimilado o sentido
específico dos termos utilizados ou criados no processo de reflexão. É evidente
que ninguém pode querer, numa reflexão filosófica, a facilidade de uma conversa
banal. Se o leitor deseja comungar com a problemática filosófica do nosso
tempo, não pode querer furtar-se às questões da terminologia, implicadas
inevitavelmente no processo geral do pensamento atual. Da mesma maneira, o
autor não poderia pretender enfrentar aquela problemática, sem a utilização do
instrumental de expressão adequado.
É por necessidade. Diz o
professor, justificando-se dos termos a ser por ele criados para a melhor
expressão do seu pensamento. E veremos todos, os caminhantes desta estrada de
autodescoberta, o acerto das colocações prévias e avisos dados.
Termos fora de nosso vocabulário
deverão ser incorporados de forma gradual e constante, pois estarão presentes
até os últimos capítulos do livro.
Se os termos
tradicionais estão carregados da vivência milenar ou secular, os termos
específicos da técnica filosófica, e os criados pelas exigências do assunto (ou
pelo menos adaptados) não estão vazios. A sua carga é de natureza dupla: a da
percepção de uma realidade nova e a da emoção da busca para expressá-la. Essa
carga deflagra naturalmente no espírito do leitor que estiver de fato
sintonizado com o desenrolar da reflexão. Mas esse deflagrar pode ser
auxiliado, particularmente no leitor pouco afeito às leituras filosóficas, por
uma apreciação antecipada do esquema terminológico.
Aqui temos um chamar a atenção do
leitor para a importância do seu envolvimento com o texto. Pois a emoção dele
autor ao encontrar o termo certo, seguramente chegará ao leitor através da
alegria de uma nova descoberta.
Diz aos leitores não habituados à
filosofia: “Ei! Este texto é para ti também. Basta que atentes com cuidado às
questões da terminologia”.
Primeiramente
temos a ipseidade, expressão técnica
amplamente conhecida, que se torna o eixo da nossa reflexão ontológica[1]. Criada por Duns Scot, que
se apoia em Aristóteles, essa expressão significa a individualização ou a
condição da individualidade como tal. Não pode ser substituída por
individualidade, porque exprime antes a condição abstrata da individualidade, o
quid desta e não ela própria. Em
nossa reflexão, a ipseidade aparece
como uma espiral que se abre no ectipo
e sobe em direção ao arctipo. Temos
assim mais dois termos, que completam o esquema essencial do Ser. Todo o processo ontológico se resume nesse
esquema. O ectipo tem aqui o sentido
berkeleyano: é a natureza primária da individualidade, essa espécie de casulo
psíquico em que o indivíduo se fecha no processo de relação, pela necessidade
mesma de ser o que é, de permanecer
em si, isolado do contexto social e
do próprio contexto natural. O arctipo,
pelo contrário, é a forma individual da comunhão, o momento em que a espiral da
ipseidade atinge literalmente o seu apogeu, afastando-se das exigências
egocêntricas da existência terrena, para abrir-se no cosmo, ou seja, na vida
universal.
O termo ipseidade pode ser
amplamente conhecido no universo cultural da psicologia, ou mesmo da filosofia
do sujeito, mas é descoberta para nós, simples mortais vinculados a outras
tantas áreas do saber.
Neste trabalho a ontologia, o
ontológico evidentemente trata do Ser, alma, espírito. Mas a ontologia pode
também tratar das coisas do mundo material: mesa, cadeira, etc. A fenomenologia
de Edmund Husserl trata da relação dos seres com as coisas.
Mas coube a Martin Heidegger fazer a crítica, na modernidade; da
entificação do mundo, ou coisificação do mundo. Através da técnica o Ser estava
sendo esquecido, o foco maior estava nos Entes.
Uma verdade incontestável no momento em que, poucos anos fazem, deixei
de ser o Paulo, Analista de Sistemas, para ser um “recurso” encaminhado a uma
entrevista numa nova empresa de terceirização. Da modernidade para nosso
momento de Pós-Modernidade ou Modernidade Tardia esse fenômeno atingiu
marcas impressionantes, quando o próprio ser se prefere como uma mercadoria, de
maior ou menor valor no mercado de trabalho. Mas esse é um outro debate.
Guardemos apenas esta divisão Ser
versus Ente.
Nessa espiral da ipseidade o ser
ectípico parte de um guardar-se, fechar-se em si para processualmente ir se
abrindo na direção do ser arctípico na relação humana do estar aí terreno
inicialmente, transitando para o universal. Para uma relação mais ampla com as
coisas e os seres de todo(s) o(s) universo(s). Podemos chamar a isto de plenitude. Creio eu.
Arctipo
não deve, pois, ser confundido, de maneira alguma, como arquétipo. Trata-se de um
sistema de polaridade. A ipseidade é bipolar, tendo na base
do seu desenvolvimento o processo ectípico e no ápice o processo arctípico.
O ectipo
não é o indivíduo humano, mas o torvelinho da precipitação, que caracteriza
esse indivíduo, em sua posição na ipseidade.
À polaridade do ectipo
e do arctipo
corresponde outra, que é a da ecstase e da arcstase. São situações
correspondentes à dinâmica da ipseidade, às variações de posição
do Ser, sendo a ecstase a permanência numa posição ectípica e a arcstase
a permanência numa posição arctípica. Essas duas posições,
entretanto, não representam separação ou desligamento do Ser de sua situação
vivencial. O ectipo tem a sua arcstase, como o arctipo
sua ecstase.
Ambos estão sujeitos à polaridade situacional, que é sempre relativa, não
implicando a passagem do Ser de um processo ipseidal para outro. Com
esses dois termos, completa-se o esquema terminológico da ipseidade, que graficamente
podemos representar da seguinte maneira:
Resta-nos ainda
considerar a proposição do termo interexistencial, para a colocação
da problemática existencial numa perspectiva filosófica mais adequada à situação
epistemológica atual. O desenvolvimento das ciências, como já acentuamos, não
nos permite mais a aceitação pacífica da conceituação da existência como uma
simples projeção do Ser entre o nascimento e a morte, determinada pela facticidade
e a afetividade,
essas duas pontas da tenaz existencial que esmagam a concepção atual do homem.
Considerando, por exemplo, o problema das regiões ontológicas, na moderna
ontologia do objeto, poderíamos adotar um termo diferente, como pluriexistencial,
que correspondesse à ideia da multiplicidade das existências. (...) Em qualquer
plano que as examinemos, porém, o que importa é o processo das relações
interexistenciais.
Fazemos uma trajetória do ectipo
para o arctipo. Não é casual o fato de o ectipo estar colocado na parte
inferior do gráfico. Há um processo ascensional; ou, melhor dizendo, de
superioridade do arctípico sobre o ectípico.
Sendo o ectipo, o torvelinho a
qual todos estamos sujeitos, apenas estaremos em condições da serenidade na
medida em que nos apartemos desse torvelinho. Significando isto, o ajuste do
homem à sua postura vivencial. Podemos viver mergulhados nesse torvelinho, sem querer
dele nos afastar, por motivações individuais. E a ninguém é dado o direito de
julgamento. Se o espírito é Livre. É Livre e ponto final. Não havendo
julgamento possível.
No CatoEspíritismo pode vicejar o
julgamento. Mas sendo o espiritismo libertador e libertário, no sentido mais amplo
do termo, fica eliminado de vez qualquer juízo de valor sobre o procedimento do
outro. Qualquer procedimento. Afinal. Como disse o filósofo Gilberto Gil em sua
música “Aquele abraço”: “Meus caminhos pelo mundo eu mesmo faço”.
Be era
uma companheira de trabalho muito querida por mime com a qual tínhamos algumas
conversas muito interessantes. Um dia Be me vem com esta pergunta:
_ PC por
que motivo nós não somos assim? – desenhando no ar uma linha reta no ar.
Ao meu
sorriso ela complementou:
_ Eu sou
sempre assim! – desenhando uma curva ondulatória, plena de altos e baixos.
_ Porque
ser assim – desenho a mesma curva ondulatória – é ser humano. Ou achas que alguém
é uma linha reta todo o tempo?
A arcstase proposta no texto não é
a linha reta que tanto a Be gostaria de ter em sua vida, mas trará uma maior
estabilidade ao homem em sua jornada.
E esta não se fará fora do mundo,
mas dentro da mundanidade ao qual somos arrojados desde nossa criação. “O Ser é
arrojado no mundo.” disse Heidegger. E não consigo negar essa afirmativa, pois
mesmo quando temos o aporte tão valioso de amigos espirituais, os quais nos
amparam, ajudam, e até intuem; ao fim e ao cabo somos solitários em cada uma das
nossas decisões.
IPSEIDADE é o pensar abstrato da
nossa individualidade. Por ser uma abstração somos capazes de pensar uma
espiral para essa ipseidade com a qual o ser tem vínculos. Enquanto a
individualidade vive na concretude, a ipseidade é como um holograma dessa mesma
individualidade. Certo ou errado assim a senti.
Uma coisa importante: temos uma única
ipseidade. O fato de termos uma individualidade nos obriga a única ipseidade. Lógica
pura.
Por que razão interexistencialidade?
Neste ponto eu ouso divergir do
Professor Herculano Pires. Pois para Herculano, Heidegger, Sarte, Marcel e
outros filósofos uma encarnação é uma existência. Para mim uma encarnação é
apenas uma vivência, ou vida. Como expus na introdução, tem duas limitantes: o
berço e o túmulo.
Assim sendo, o que ocorre?
O Ser, ou espírito é uma entidade
viajora, se vai completando, complementando no próprio transcurso da viagem, e
nunca deixa bagagem alguma acumulada para traz. As aquisições de uma vivência,
vida, encarnação são patrimônios consolidados do Ser. Um Ser que busca não
apenas a serenidade, mas a sabedoria tratada na introdução deste trabalho.
Ontologia
significa “estudo do ser”. A palavra é formada através dos
termos gregos “ontos” (ser) e “logos” (estudo, discurso).
Consiste em uma parte da filosofia que estuda a natureza do ser, a existência e a realidade, procurando determinar as categorias
fundamentais e as relações do “ser enquanto ser”.
Engloba algumas questões abstratas como a
existência de determinadas entidades, o que se pode dizer que existe, qual o significado do ser, etc.
Os filósofos da Grécia Antiga Platão e Aristóteles
estudaram o conceito que muitas vezes se confunde com metafísica. Na verdade, a ontologia é um aspecto da
metafísica que procura categorizar o que é essencial e fundamental em
determinada entidade.
Este termo foi popularizado graças ao filósofo
alemão Christian Wolff, que definiu a ontologia como philosophia prima
(filosofia primeira) ou ciência do ser enquanto ser. Assim, esta ciência tinha
um caráter racional e dedutivo, que tinha como objetivo estudar os traços mais
gerais do ser.
No século XIX, a ontologia foi transformada por
neoescolásticos na primeira ciência racional que abordava os gêneros supremos
do ser. A corrente filosófica conhecida como idealismo alemão, de Hegel, partiu
da ideia de autoconsciência para recuperar a ontologia como "lógica do
ser".