20140416 A Personalidade Humana
e sua sobrevivência à morte corporal
por Emily Williams Kelly
Existe uma versão em português (hoje em dia ela é
rara) publicada pela editora Edigraf. Ela pode ser encontrada na Estante Virtual sob o nome "A Personalidade
Humana".
Divisão de Estudos da Personalidade University
of V
irginia Health System Charlottesville, VA 22908
Fonte: Journal Scientific Exploration, vol. 17, p. 323.
Este ano [2002] é o centésimo
aniversário da publicação de A personalidade humana e sua sobrevivência à
morte corporal de
F. W. H. Myers (foto), de dois massivos
volumes de um tratado de 1360 páginas que o autor esperava que servisse como
base e ponto de partida para o desenvolvimento de uma teoria completa da
personalidade humana, uma que pudesse responder a uma grande variedade de
fenômenos psicológicos, de fenômenos patologicamente anormais de interesse
crescente para os clínicos, aos processos psicológicos associados com a
consciência de vigília normal, às raras manifestações de funções supernormais,
inclusive a criatividade e a telepatia. No amanhecer do século XX, as idéias e
os escritos de Myers ganharam a atenção de muitos psicólogos proeminentes,
clínicos e filósofos, e embora o próprio Myers tenha morrido em 1901, na
infeliz idade de 57 anos, parecia provável que sua póstuma publicação magnum
opus pudesse servir como a inspiração para muitas pesquisas importantes e
teorização. Por volta do século XXI, porém, Myers e seu trabalho são desconhecidos
para a maioria vasta dos psicólogos, enquanto Human Personality é
considerado uma obra clássica na pesquisa psíquica/parapsicológica, embora (e
eu fortemente suspeito) ela mesma não seja lida por muitos parapsicólogos. Na
tentativa de atrair mais leitores para este longo e difícil livro, o volume um
ocasionalmente tem sido resumido, o primeiro em 1907 pelo filho de Myers, e o
segundo em 1961 pela autora Susy Smith. Esta publicação mais recente é uma
edição de volume único, por Hampton Roads e Russell Targ, numa série chamada
"Estudos da Consciência", e é uma reimpressão da edição de 1961 de
Susy Smith, inclusive o prefácio de 1961 por Aldous Huxley e uma nova
introdução por Jeffrey Mishlove.
O motivo no qual tem importância um livro como Human Personality, é
porque ele está repleto de rico material de caso, numa ampla variedade de
fenômenos psicológicos como também idéias provocativas sobre a interpretação
destes fenômenos; as quais têm sido negligenciadas na psicologia e na história
das idéias? A resposta é complicada e estende-se a uma variedade de fatores
social, intelectual e mesmo emocionais já conhecidos dos leitores deste jornal
e de outros investigadores de fenômenos que parecem impor-se claramente frente
às visões prevalentes a respeito da ordem natural. Mas identificando em
particular dois importantes temas abordados ao longo de Human Personality,
isso poderia ajudar na compreensão tanto do porquê o livro é bastante
importante e porque tem sido tão negligenciado.
Primeiro, o livro de Myers foi desenvolvido principalmente sobre uma visão da
personalidade humana, ou consciência, que era diretamente oposta à visão
prevalente no final do século XIX e continuação do XX - a visão que a
consciência é um produto do aumento da complexidade dos processos neurais. Em
contraste, a visão de Myers, apresentada aqui com uma quantidade vasta de
material empírico que a sustenta, é que a consciência é muito mais extensa que
o "eu" de vigília com o qual nós estamos familiarizados e que o
cérebro, no lugar de ser o produtor da consciência, é o mecanismo que, em
resposta às demandas do meio-ambiente do organismo, filtra, limita, e modula
nossa consciência ordinária de vigília (ou supraliminar) a partir de uma
consciência mais ampla, primariamente latente ou subliminar.
Myers usou a analogia do espectro eletromagnético para ilustrar sua hipótese: a
mais ampla e oculta consciência subliminar é comparável ao espectro inteiro,
que se estende indefinidamente, enquanto que nossa consciência supraliminar, ou
consciência de vigília, é comparável a um pequeno fragmento daquele espectro
que é visível para nós como resultado do desenvolvimento evolucionário de nosso
sistema visual. Na maioria dos indivíduos, a "porção visível do espectro
psicológico oscila à medida que elementos entram e saem da consciência de
vigília, mas ele permanece relativamente estável. Em outros indivíduos, porém,
como histéricos ou pacientes com múltiplas personalidades, gênios criativos, ou
automatistas (termo de Myers para médiuns ou sensitivos), a "barreira"
controlando o fluxo de elementos psicológicos entre o supraliminar e as porções
subliminais da consciência é mais "permeável", permitindo a
"descida" ou perda de funções associadas à histeria, ou a
"subida" da mentação subliminar dos gênios criativos, o aparecimento
ocasional de faculdades ocultas como a telepatia, ou outras alterações na
estrutura e no conteúdo ordinários da consciência.
Uma visão da personalidade humana que está muito em discrepância com a visão
que veio a dominar a psicologia moderna e isto em grande parte seria devido ao
fato de fenômenos raros e controversos, como histeria, hipnotismo/mesmerismo,
fenômenos de transe e telepatia poderem gerar resistência sob a melhor das
hipóteses. Mas o trabalho de Myers, e por extensão a pesquisa psíquica que
compôs uma importante parte de sua base, encontrou um obstáculo muito maior
porque o segundo tema mais importante em Human Personality foi
largamente ignorado e que levou a muitos erros durante o último século sobre a
natureza e os propósitos da pesquisa psíquica em geral e do trabalho do Myers
em particular. De acordo com o Myers, "o princípio da continuidade... tem
nos guiado ao longo deste trabalho" (Myers, 1903, 2:202). Para Myers e a
maioria dos outros cientistas de século XIX, a continuidade e uniformidade de
natureza emergiram como um dos mais fundamentais princípios que guiam a ciência
moderna:
A fé para qual a Ciência se compromete é a fé na uniformidade, na coerência, na
inteligibilidade, de qualquer modo, o universo material... Se qualquer fenômeno
... parece arbitrário, ou incoerente, ou ininteligível, ela então não supõe que
o encontrou separado na estrutura das coisas; mas supõe bastante que uma
resposta racional para o novo problema deve existir em algum lugar — uma
resposta que será ainda mais instrutiva, porque envolverá fatos que a primeira
pergunta deve ter falhado ao fazer a devida consideração. (Myers, 1900, pág.
120).
Então o corpo inteiro do trabalho de Myers foi baseado na convicção que nenhum
fenômeno verdadeiramente é "anômalo", isto é, "separado na
estrutura das coisas." Ele reconheceu que para muitas pessoas,
especialmente os cientistas, "a dificuldade de acreditar não está nem no
defeito de evidência confiável nem na ininteligibilidade, que é a incoerência
dos fenômenos descritos, que as impede de reterem na mente ou assimilarem com o
conhecimento prévio", e ele continuou a dizer que "eu mesmo senti
toda a força desta objeção" (Myers, 1903, 2:505). Para os
"antagonistas resolutos ... nenhuma evidência nova pode levá-los a
acreditar... a menos que ela seja persistente como evidência" (Myers,
1903, 2:2). Embora "a mente popular tenham expressamente desejado algo
surpreendente, algo fora da Lei e acima da Natureza... eu dificilmente posso
repetir com freqüência que minha objeção nestas páginas seja de um caráter
bastante oposto" (pág. 168).
A meta de Myers, então, era alargar e avançar a compreensão científica sobre a
ordem natural tecendo as pontas soltas de fenômenos aparentemente anômalos
junto com o conhecimento já existente dentro de um quadro mais amplo, mais
completo. Para ele, aqueles que ignoraram ou excluíram certos fenômenos ou
perguntas da investigação científica mostraram "um desejo no lugar de um
excesso de confiança" na "regularidade imutável da natureza"
(Myers, 1881, pág. 99). O método de Myers era pegar uma grande variedade de
fenômenos psicológicos — inclusive histeria e personalidades múltiplas, gênios
e criatividade, sono e sonhos, hipnotismo e mesmerismo, alucinações, aparições,
outros automatismos sensórios, automatismos motor, como a escrita automática,
transe, possessão e êxtase — e, "conduzi-los como transições que variariam
bem gradualmente, o quanto possível a partir de fenômenos seguramente
considerados normais para fenômenos entendidos como supernormais" (pág.
7), demonstrar que estes, de fato, não são anomalias isoladas, mas todos são
partes integrantes de um quadro maior da personalidade humana.
A paixão de Myers, o motor que dirigiu sua energia prodigiosa, produtividade e
criatividade de pensamento era seu desejo de aprender "se ou não a
personalidade [humana] envolvesse qualquer elemento que pudesse sobreviver
completamente à morte" (pág. 1). Aqui, também, porém, ele insistiu que
"ao lidar com assuntos que vão além da experiência humana (isto é, a
sobrevivência post-mortem), nossa única pista é alguma chance de
continuidade com que nós já conhecemos" (pág. 338). Então, embora uma das
tarefas empreendidas por Myers, e seus colegas, fosse "uma coleção e
análise das evidências... que apontavam diretamente para a sobrevivência do
espírito do homem" (pág. 4), ele entendeu que a evidência aparentemente
muito discrepante das implicações da neurologia e da psicologia modernas tinha
que ser integrada de alguma maneira às neurologia e psicologia modernas, se ela
carregasse qualquer convicção: "tornou-se gradualmente claro para mim que
antes de nós seguramente podermos demarcar qualquer grupo de manifestações como
definitivamente implicando alguma influência além túmulo, seriam necessárias
mais pesquisas revisadas sobre as capacidades da personalidade encarnada do
homem do que psicólogos não familiarizados com esta nova evidência atribuírem
valor a elas" (pág. 4).
Em outras palavras, o objetivo de Myers era descobrir se existem
características e traços da personalidade encarnada que sustentam a
possibilidade da personalidade humana ser mais extensa do que aquilo que é
manifestado num organismo biológico em particular, e Human Personality,
com seu volumoso material empírico, desenvolve-se dentro da armação teórica de
uma consciência mais ampla que a consciência que nós estamos ordinariamente
cientes, tal foi o resultado.
Susy Smith fez um excelente trabalho ao resumir Human Personality, e eu
espero que esta síntese atraia leitores que se sintam amedrontados pela versão
completa de 1360 páginas. Não obstante, eu espero que os leitores venham a
entender que uma redução de 1360 páginas para 350, não importa quão boa seja,
muito material interessante e essencial do original é necessariamente perdido.
Como Gardner Murphy advertiu (Murphy, 1975, pág. iv), uma leitura cuidadosa dos
dois volumes completos, inclusive os volumosos apêndices que contém a maior
parte do material de suporte, é "o único meio que pelo qual a força do
documento e o significado filosófico de Myers podem ser entendidos". Eu
espero que o presente resumo afie suficientemente o apetite dos leitores para
remetê-los ao trabalho completo.
===
Chegando ao fim desta leitura, que não contempla os dois volumes, chegando a um total de 348 páginas na impressão da Edigraf, a mim doada em xerox por algum amigo, em um passado já distante, me vejo diante da perspectiva de tê-lo mais como um livro de psicologia específicamente, do que como um livro espírita, como me foi estipulado desde a infância e juventude.
São colocações analíticas colocadas no transcurso da obra; e, no meu parecer, o autor vai se convencendo dos fatos na medida em que a escrevia.
Numa linguagem pré-frudiana este desenvolve toda uma teoria, discordante da forma de ver das obras de Kardec, estabelecendo teorias para cada um dos fatos por ele apresentados.
É um verdadeiro contraponto a todo aquele que se proponha ao estudo da mediunidade.
Se de início me estranhou o posicionamento do autor, neste momento de quase final, me sinto feliz de ter percorrido tal caminho. Em doses diárias, de maior ou menor quantidade, mas com firme regularidade.
Recomendo a espíritas e, principalmente a psicólogos, psiquiatras, e congêneres.
Paulo Cesar Fernandes
16 04 2014