terça-feira, 20 de outubro de 2015

20151020 Jung, Hegel e Herculano

Jung, Hegel e Herculano



292 O desenrolar do processo de individuação começa em geral com uma tomada de consciência da "sombra", isto é, de uma componente da personalidade que, ordinariamente, apresenta sintomas negativos. Nesta personalidade inferior está contido aquilo que não se enquadra ou não se ajusta sempre às leis e regras da vida consciente. Ela é constituída pela "desobediência" e por isso é rejeitada não só por motivos de ordem moral, mas também por razões de conveniência. Uma cuidadosa investigação mostra-nos que aí se acha, entre outras coisas, pelo menos uma função que deve cooperar na orientação psicológica consciente. Ela coopera, não movida por objetivos conscientes, mas por tendências inconscientes, cuja finalidade é de natureza diversa. Refiro-me à quarta função, dita função de valor secundário, que é autônoma em relação à consciência e se acha a serviço de objetivos conscientes. É ela que está à base de todas as dissociações neuróticas e só pode ser integrada na consciência, quando os conteúdos inconscientes correspondentes se tornam simultaneamente conscientes. Mas esta integração só pode realizar-se e tornar-se proveitosa quando se reconhecem, de algum modo, e com o devido senso critico, as tendências ligadas ao processo, tornando-se possível sua realização. Isto leva à desobediência e à rebelião, mas leva também à autonomia, sem a qual a individuação não é possível. Infelizmente a capacidade de querer outra coisa terá de ser real, se é que a Ética tem um sentido. Quem se submete, a priori, à lei ou à expectativa geral, comporta-se como o homem da Parábola, que enterrou o seu talento. O processo de individuação constitui uma tarefa sumamente penosa, em que há sempre um conflito de obrigações, cuja solução supõe que se esteja em condições de entender a vontade contrária como vontade de Deus. Não é com meras palavras, nem com auto-ilusões cômodas que se enfrenta o problema, porque as possibilidades destrutivas existem em demasia. O perigo quase inevitável consiste em ficar mergulhado no conflito e, conseqüentemente, na dissociação neurótica. É aqui que intervém beneficamente o mito terapêutico, com sua ação libertadora, mesmo quando não encontremos qualquer vestígio de sua 
compreensão. É suficiente - como sempre foi - a presença vivamente sentida do arquétipo. Esta só falha quando a possibilidade de uma compreensão consciente parece exequível e não se concretiza. Em tais casos, é simplesmente deletério permanecer inconsciente, embora seja precisamente isto o que acontece hoje em dia, em ampla escala, na civilização cristã. Muito daquilo que a simbólica cristã ensinava está perdido para um imenso número de pessoas, sem que hajam percebido aquilo que perderam. A cultura, p. ex., não consiste no progresso como tal, nem na destruição insensata do passado, mas no desenvolvimento e no refinamento dos bens já adquiridos.


293 A religião é uma terapêutica "revelada por Deus". Suas idéias provêm de um conhecimento pré-consciente, que se expressa, sempre e por toda parte, através dos símbolos. Embora nossa inteligência não as apreenda, elas estão em ação porque nosso inconsciente as reconhece como expressão de fatos psíquicos de caráter universal. Por isso basta a fé, quando existe. Toda ampliação e fortalecimento da consciência racional, entretanto, leva-nos para longe da fonte dos símbolos. É a sua prepotência que impede a compreensão de tais símbolos. Tal é a situação que enfrentamos em nossos dias. Não se pode fazer a roda girar para trás, nem voltar a acreditar obstinadamente naquilo "que sabemos não existir". Mas bem poderíamos prestar atenção ao significado real dos símbolos. Isto nos permitiria não apenas conservar os tesouros incomparáveis da Cultura, como também abrir um novo 
caminho que nos devolveria às verdades antigas, as quais, por causa do caráter singular de sua simbólica, desapareceram de nossa "razão". Como pode um homem ser Filho de Deus e ter nascido de uma Virgem? Isto é como que uma bofetada em plena face. Entretanto, um Justino Mártir não mostrou a seus contemporâneos que eles atribuíam tais coisas a seus heróis, e com isto não encontrou audiência junto a eles? Isto aconteceu porque, para a consciência daquela época, tais símbolos não eram tão desconhecidos como para nós. Hoje em dia, esses dogmas encontram ouvidos moucos, pois já não existe mais nada que corresponda a tais afirmações. Mas se tomarmos essas coisas como 
são, isto é, como símbolos, teremos forçosamente de admirar sua verdade profunda e declarar-nos gratos àquela Instituição que não somente as conservou, mas as desenvolveu através dos dogmas. Ao homem de hoje falta a capacidade de compreensão, que poderia ajudá-lo a crer.


294 Se ousamos aqui submeter antigos dogmas, que se nos tornaram estranhos a uma reflexão psicológica, não o fizemos com a pretensão de saber tudo melhor que os outros, mas sim movidos pela convicção de que é impossível que o dogma, pelo qual se combateu durante tantos séculos, seja uma fantasia oca e sem sentido. Para isso situei-me na linha de consensus omnium [consenso universal], isto é, de arquétipo. Foi somente isto que me 
possibilitou uma relação direta com o dogma. Como "verdade" metafísica ele me era inteiramente inacessível, e julgo lícito supor que eu não tenha sido o único ao qual isto aconteceu. O
conhecimento dos fundamentos arquetípicos universais me animou a considerar o quod semper, quod ubique, quod ab omnibus creditum est como fato psicológico que ultrapassa o quadro da confissão de fé cristã, e tratá-lo simplesmente como objeto das 
Ciências físicas e naturais, como um fenômeno puro e simples, qualquer que seja o significado "metafísico" que lhe tenha sido atribuído. Sei por experiência própria que este último aspecto jamais contribuiu, por pouco que fosse, para a minha fé ou para a minha compreensão. Ele não me dizia absolutamente nada. Entretanto, tive de reconhecer que o Símbolo de fé possui uma verdade extraordinária pelo fato de ter sido considerado, durante dois milênios, por milhões e milhões de pessoas, como um enunciado válido daquelas coisas que não se podem ver com os olhos, nem tocar com as mãos. Este fato deve ser bem entendido, porque da "Metafísica" só conhecemos o produto humano, quando o carisma da fé, tão difícil de ser mantido, não afasta de nós toda dúvida e, conseqüentemente, nos liberta de toda angustiosa investigação. É perigoso que tais verdades sejam tratadas unicamente como objeto de fé, pois onde há fé, ali também está presente a dúvida, e quanto mais direta e mais ingênua é a fé, tanto mais devastadoras são as idéias quando a primeira começa a eclipsar-se. Em tais ocasiões é que nos mostramos mais hábeis do que as cabeças enevoadas da tenebrosa Idade Média; e então acontece que a criança é despejada juntamente com a bacia em que foi lavada.


295 Apoiado nestas e noutras considerações de natureza semelhante é que mantenho sempre uma atitude de extrema cautela, ao abordar outros significados possíveis, ditos metafísicos, da linguagem arquetípica. Nada as impede de que eles cheguem afinal de contas até a base do mundo. Nós é que seremos tolos se não o percebermos. Assim pois não posso presumir que uma investigação do aspecto psicológico tenha esclarecido e resolvido 
definitivamente o problema dos conteúdos arquetípicos. Na melhor das hipóteses, o que fiz talvez não passe de uma tentativa mais ou menos bem ou mal sucedida de abrir um caminho que permita compreender um dos lados acessíveis do problema. Esperar mais seria uma temeridade. Se, pelo menos, conseguir manter viva a discussão, meu objetivo já se acha mais do que cumprido. Ou por outra, se o mundo viesse a perder de vista estes enunciados, 
estaria ameaçado de um terrível empobrecimento espiritual e psíquico.

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O desenrolar do processo de individuação começa em geral com uma tomada de consciência da "sombra".

Quem de nós pode atirar a primeira pedra? Essa é a questão emergente no processo de Individuação, a Tomada de Consciência do espírito como um Ser livre, e sobretudo cônscio de sua capacidade de gerir o seu destino a seu bel prazer. 

Sabe dos aspectos luminosos da sua personalidade; mas sabe, por outro lado, de todos os aspectos obscuros. Consegue se olhar no espelho e ter a plena visão de quem é. E isto pode ou não o encaminhar pelas veredas do que Hegel chama de Eticidade.

Não vou comentar o texto. Trouxe apenas para o conhecimento das pessoas, talvez para a reflexão da necessidade ou não da religião.

Eu não sou religioso e não creio em nada, salvo a imortalidade, a evolução e algum aspecto adicional daí decorrente.

Quero apenas estabelecer uma ligação entre três autores a quem devoto respeito: Carl Gustav Jung; Georg G F Hegel e Professor Herculano Pires. Referentes para mim, intelectualmente e os dois últimos eticamente inclusive.

O "Ponto de Individuação" de Jung, pode ser comparado com a "Tomada de Consciência" do espírita, proposta por Herculano Pires; e com Hegel, na Fenomenologia do Espírito no capítulo V (Certeza e verdade da Razão) quando este espírito se vê liberto do seu Amo e se sabe Livre, Autônomo e dotado de uma consciência já não para os outros, ou o outro (o Amo); mas uma consciência-em-si-e-para-si. O Ser ou espírito em sua integralidade e consciente dessa integralidade. Dessa totalidade vivencial capaz de tudo.


Voltando a Jung, capaz do bem e capaz do mal, pois os aspectos claros e escuros da personalidade convivem dentro de si.

Sempre aí estiveram mas nunca foram reconhecidos. Mas dentro do processo terapêutico há um momento em que o paciente se confronta com sua verdade. E dessa verdade consta o lado obscuro de si mesmo. 

Esse ponto de aclaramento traz uma nova consciência de si e uma nova relação com o mundo ao seu redor. Nos três autores esse mesmo fenômeno é constatado.

Essas três figuras da História da Humanidade são elementos diferentes, em tempos e contextos diferentes a dizer a mesma coisa, em palavras muito semelhantes.

No que diz respeito à música um amigo disse que "as genialidades se tocam"; no sentido de forçosamente se encontrarem. 

Penso eu agora que, na percepção da trajetória do espírito o mesmo ocorre. Hegel, Jung e Professor Herculano Pires fizeram uma mesma leitura de um mesmo processo.

Sou grato a cada um deles, pelo tanto de clareza trazido ao meu caminho.


Paulo Cesar Fernandes.

20/10/2015.