sábado, 9 de novembro de 2013

20131109 Uma noite esquecida (Conto mediúnico

Uma noite esquecida   (Conto mediúnico



Conto presente em "Revista Espírita" de Allan Kardec.

Edições de Novembro de 1858;
Janeiro de 1859 e
Fevereiro de 1859.

Ditada pelo Espírito de Frederíc Soulié.



UMA NOITE ESQUECIDA

I

Havia, em Bagdá, uma mulher do tempo de Aladim; é a sua história que vou contar.






Num dos subúrbios de Bagdá morava, não longe do palácio da sultana Shéhérazad, uma velha mulher chamada Manouza. Essa velha era motivo de terror para toda a cidade, porque era feiticeira das mais apavorantes. Em sua casa, à noite, se passavam coisas tão assustadoras que, logo que o sol se deitava, ninguém se arriscava passar diante de sua morada, a menos que fosse uma amante à procura de um filtro para uma senhora rebelde, ou uma mulher abandonada em busca de um bálsamo para colocar sobre a ferida que seu amante lhe fizera, abandonando-a.


Um dia, pois, em que o sultão estava mais triste que de hábito, e que a cidade estava numa grande desolação, porque ele queria que perecesse a sultana favorita, e que a seu exemplo todos os maridos eram infiéis, um jovem deixou uma magnífica habitação situada ao lado do palácio da sultana. Esse jovem trajava uma túnica e um turbante de cor sombria; mas sob essas simples vestes havia um grande ar de distinção. Procurava se esconder ao longo das casas, como gatuno, ou amante temeroso de ser surpreendido. Dirigia seus passos para o lado de Manouza, a feiticeira. Uma viva ansiedade pintava sobre os seus traços, que mostravam a preocupação que o agitava.


Atravessou as ruas, as praças com rapidez, e, todavia, com grande precaução.


Chegado perto da porta, hesitou alguns minutos, depois decidiu bater. Durante um quarto de hora, teve angústias mortais, porque ouvia ruídos que nenhum ouvido humano havia escutado; uma matilha de cães uivando com ferocidade, gritos lamentáveis, cantos de homens e de mulheres, como ao fim de uma orgia, e, para clarear todo esse tumulto, luzes correndo de alto a baixo da casa, fogos fátuos de todas as cores; depois, como por encantamento, tudo cessou: as luzes se extinguiram e a porta se abriu.

O visitante ficou um instante interdito, não sabendo se devia entrar no corredor sombrio, que se oferecia à visão. Enfim, armando-se de coragem, penetrou audaciosamente. Depois de caminhar, às apalpadelas, o espaço de uns trinta passos, encontrou-se em face de uma porta dando para uma sala, clareada somente por uma
lâmpada de cobre de três bicos, suspensa no meio do teto.


A casa que, depois do ruído que ouvira da rua, parecia dever ser muito habitada, tinha agora o ar deserto; essa sala que era imensa, e devia, pela sua construção, ser a base do edifício, estava vazia, excetuando-se os animais empalhados, de todas as espécies, com os quais estava guarnecida.



No meio dessa sala, havia uma pequena mesa coberta de livros de mágicos, e, diante dessa mesa, numa grande poltrona, estava sentada uma pequena velha, alta apenas dois côvados, e de tal modo embrulhada de xales e de turbantes, que era impossível ver seus traços. À aproximação do estranho, ela levantou a cabeça e mostrou, aos seus olhos, o mais terrível rosto que ele podia imaginar.



Eis-te aqui, senhor Noureddin, disse ela, fixando seus olhos de hiena sobre o jovem que entrara; aproxime-se! Faz vários dias que meu crocodilo, de olhos de rubis, me anuncia tua visita. Dize se é um filtro o de que precisas; dize se é uma fortuna. "Mas, que digo eu, uma fortuna! Não a tens que faz inveja ao próprio sultão? Não és o mais rico como és o mais belo?



É provavelmente um filtro que vens procurar. Qual é, pois, a mulher que ousa ser-te cruel?



Enfim, não devo nada dizer, eu não sei nada, estou pronta para escutar tuas dificuldades e para dar-lhes os remédios necessários, se, todavia, minha ciência tiver o poder de ser útil a ti. Mas que fazes, pois, a me olhar assim sem avançares? Terias medo? Talvez eu te apavore?



Tal como me vês, antigamente era bela; mais bela que todas as mulheres hoje existentes em Bagdá; foram os desgostos que me tornaram tão feia. Mas que te causam meus sofrimentos?



Aproxima-te; eu te escuto; somente não posso dar-te senão dez minutos, assim, despacha-te. Noureddin não estava muito tranqüilo; entretanto, não queria mostrar aos olhos de uma velha mulher a perturbação que o agitava, avançou e lhe disse: Mulher, vim por uma coisa grave; de tua resposta depende a sorte de minha vida; vais decidir de minha felicidade ou de minha morte. Eis do que se trata O sultão quer matar Nazara; eu a amo; vou contar-te de onde vêm esse amor, e venho pedirte trazer um remédio, não a minha dor, mas a sua infeliz posição, porque eu não quero que ela morra. Sabes que meu palácio é vizinho daquele do sultão; nossos jardins se tocam.


Há mais ou menos seis luas que, uma tarde, passeando nesses jardins, ouvi uma encantadora música acompanhada da mais deliciosa voz de mulher que jamais ouvi.


Querendo saber de onde isso provinha, aproximei-me dos jardins vizinhos, e reconheci que era de um quarto de verdura habitado pela sultana favorita. Fiquei vários dias absorvido por esses sons melodiosos; noite e dia, revia a bela desconhecida cuja voz me seduzia; porque é preciso dizer-te que, em meu pensamento, ela não podia ser senão bela. Passeava, cada tarde, nas mesmas alamedas onde ouvira essa encantadora harmonia; durante cinco dias, isso foi em vão; enfim, no sexto dia a música se fez
ouvir de novo; então, não podendo mais conter-me, aproximei-me do muro e vi que era preciso pouco esforço para escalá-lo.



II


Depois de alguns momentos de hesitação, tomei uma grande decisão: passei do meu para o jardim vizinho; ali, vi, não uma mulher mas uma huri, a huri favorita de Maomé, uma maravilha enfim! À minha visão, ela assustou-se um pouco, mas, lançando-me aos seus pés, pedi-lhe que não tivesse nenhum temor em ouvir-me; disse-lhe que seu canto me atraíra e assegurei-lhe que não encontraria em minhas ações senão o mais profundo respeito; ela teve a bondade de me ouvir.



A primeira noite se passou falando de música. Também cantei, e me ofereci para em acompanhá-la; ela nisso consentiu, e marcamos encontro para o dia seguinte, à mesma hora Nessa hora, ela estava mais tranqüila; o sultão estava com seu conselho e a vigilância menor. As duas ou três primeiras noites se passaram inteiramente
com a música; mas a música é a voz dos amantes, e desde o quarto dia não estávamos mais estranhos um ao outro. Nós nos amamos. Que bela estava! Como sua alma era bela também! Fizemos, muitas vezes, o projeto de fugirmos. Ai! por que não o executamos? Seria menos infeliz, e ela não estaria prestes a sucumbir. Essa bela flor
não estaria no momento de ser colhida pela foice que vai arrebatá-la à luz.



III


Nada, entretanto, parecia dever perturbar nossa felicidade; tudo era calma ao nosso redor: vivíamos em uma perfeita segurança, quando uma tarde, no momento em que nos críamos na maior segurança, de repente, apareceu ao nosso lado (posso dizer assim, porque estávamos numa praça circular onde chegavam várias alamedas), de repente, pois, e ao nosso lado, apareceu o sultão acompanhado de seu grão-vizir. Todos os dois tinham um semblante assustador a cólera havia transtornado seus traços; estavam, o sultão sobretudo, em uma exasperação fácil de compreender. O primeiro pensamento do sultão foi de me fazer perecer, mas sabendo a qual família eu
pertencia, e a sorte que o esperaria se ousasse tirar um só cabelo de minha cabeça, ele disfarçou (como em sua chegada eu me coloquei à parte), ele disfarçou não me perceber, e se precipitou como um furioso sobre Nazara, a quem prometeu não fazer esperar o castigo que ela merecia. Ele a carregou consigo, sempre acompanhado do
vizir. Para mim, o primeiro momento de temor passou e me apressei em retornar para o meu palácio, para procurar um meio de subtrair o astro de minha vida das mão desse bárbaro, que provavelmente iria cortar essa querida existência.


- E depois, que fizeste? perguntou Manouza; porque enfim, em tudo isso não vejo em que estás tanto atormentado para tirar tua amante do mau onde a colocaste por tua falta. Tu me dás o efeito de um pobre homem que não tem nem coragem, nem vontade, quando se trata de coisas difíceis.


- Manouza, antes de condenar, é preciso escutar. Não vim atrás de ti sem antes experimentar de todos os meios em meu poder. Fiz ofertas ao sultão; prometi-lhe ouro, jóias, camelos, palácios mesmo, se me entregasse minha doce gazela; a tudo desdenhou. Vendo meus sacrifícios repelidos, fiz ameaças; as ameaças foram desprezadas como o resto: a tudo ele riu e zombou de mim.


Também experimentei introduzir-me no palácio; corrompi escravos, cheguei ao interior dos apartamentos; apesar de todos
os meus esforços, não consegui chegar até a minha bem-amada.


- Tu és franco, Noureddin; tua sinceridade merece uma recompensa, e terás o que vieste procurar. Vou te fazer ver uma coisa terrível: se tendes a força de suportar a prova pela qual te farei passar, podes estar seguro que reencontrarás a tua felicidade de outro-ra. Dou-te cinco minutos para te decidir.



Decorrido esse tempo, Noureddin disse à Manouza que ele estava pronto para fazer tudo aquilo que ela quisesse para salvar Nazara. Então, a feiticeira se levantando, disse-lhe: Pois bem! Caminhe.


Depois, abrindo uma porta colocada no fundo do apartamento, fê-lo passar diante dela. Eles atravessaram um pátio sombrio, repleto de
objetos horrendos: serpentes, sapos que passeavam gravemente em companhia de gatos pretos, com o ar de pavonear entre esses animais imundos.



IV


Na extremidade desse pátio, encontrava-se outra porta que Manouza igualmente abriu; e, tendo feito passar Noureddin, entraram em uma sala baixa, clareada somente pelo alto: a luz vinha de uma cúpula muito alta guarnecida de vidros coloridos, que formavam toda espécie de arabescos. No meio dessa sala se encontrava um fogareiro aceso, e sobre um tripé colocado sobre esse fogareiro, um grande vaso de bronze no qual ferviam todas espécies de ervas aromáticas, cujo odor era tão forte que se
podia com dificuldade suportar. Ao lado desse vaso se encontrava uma espécie de poltrona em veludo negro, de uma forma extraordinária. Quando se sentou em cima, no instante, desapareceu inteiramente; porque Manouza não estava nela colocada, Noureddin a procurou alguns instantes sem poder percebê-la. De repente, ela reapareceu e lhe disse: estás sempre disposto? "- Sim, repetiu Noureddin. - Pois bem! Vai sentar-te nessa poltrona e espera." Antes que Noureddin fosse para a poltrona, tudo mudou de aspecto, e a sala se povoou de uma grande multidão de figuras brancas que primeiro apenas visíveis, pareceram em seguida de um vermelho de sangue, dir-se-ia-se de homens cobertos de chagas sangrentas, dançando rondas infernais, e no meio delas Manouza, cabelos esparsos, olhos chamejantes, as roupas em farrapos, e sobre a cabeça uma coroa de serpentes. Na mão, à guisa de cetro, ela brandia uma tocha acesa, lançando chamas cujo odor atacava a garganta. Depois de terem dançado um quarto de hora, detiveram-se, de repente, sob um sinal de sua rainha que, para esse efeito, havia lançado sua tocha na caldeira em ebulição. Quando
todas essas figuras foram se alinhando ao redor da caldeira, Manouza fez se aproximarem os mais velhos, que se reconhecia pela sua longa barba branca, e lhes disse:


"vem aqui, tu o segundo do diabo; vou te encarregar de uma missão muito delicada. Noureddin quer Nazara, eu prometi entregar-lha; é coisa difícil; eu conto, Tanaple, com teu concurso em tudo. Noureddin suportará todas as provas necessárias; agi em conseqüência. Sabes o que quero, faze o que quiseres, mas alcance; trema se fracassares. Recompenso quem me obedece, mas infeliz daquele que não faz a minha vontade. - Tu serás satisfeita, disse Tanaple, e tu podes contar comigo. - Pois bem, vai e age."



V





Apenas terminara essas palavras e tudo mudou aos olhos de Noureddin; os objetos tornaramse o que eram antes, e Manouza se encontrou sozinha com ele. "Agora, disse ela, retoma à sua casa e espera; enviar-te-ei um dos meus gnomos, e te dirá o que tem a fazer, obedece e tudo irá bem."


Noureddin ficou muito feliz com essas palavras, e mais feliz ainda por deixar o antro da feiticeira. Atravessou de novo o pátio e o quarto por onde entrara, depois ela o reconduziu até à porta exterior. Ali, Noureddin tendo-lhe perguntado se deveria retornar, ela respondeu: "Não; para o momento, é inútil; se isso se tornar necessário, far-te-ei saber."


Noureddin se apressou em retornar ao seu palácio; estava impaciente por saber se se passara alguma coisa nova desde a sua saída. Encontrou tudo no mesmo estado; somente, na sala de mármore, sala de repouso no verão entre os habitantes de Bagdá, ele viu perto da bacia colocada no meio dessa sala, uma espécie de anão de uma fealdade repelente. Seu vestuário era de cor amarela, bordado de vermelho e azul; tinha uma bossa monstruosa, pernas pequenas, o rosto gordo, com olhos verdes e vesgos, uma boca fendida até as orelhas, e os cabelos de um ruivo podendo rivalizar com o sol.


Noureddin lhe perguntou como se encontrava ali, e o que viera fazer. "Eu sou enviado de Manouza, disse, para te entregar a tua amante; eu me chamo Tanaple. - Se tu és, realmente, o enviado de Manouza, estou pronto para obedecer suas ordens, mas despacha-te, aquela que amo está a ferros e tenho pressa dela dali sair. - Se estás pronto, conduze-me em seguida para o teu apartamento, e dir-te-ei o que é preciso fazer. - Segue-me, pois, disse Noureddin."



VI


Depois de atravessar vários pátios e jardins, Tanaple se encontrou no apartamento do jovem; fechou-lhe todas as portas, e disse: "Tu sabes que deves fazer tudo o que eu te disser, sem objeção. Vais vestir essas roupas de negociante. Levarás sobre teu dorso esse pacote que encerra os objetos que nos são necessários; eu, vou me vestir de escravo e levarei um outro pacote."


Para sua grande estupefação, Noureddin viu dois enormes pacotes ao lado do anão, e todavia não vira e nem ouvira ninguém traze-los. "Em seguida, continuou Tanaple, iremos à casa do sultão. Dir-lhe-ás que tens objetos raros e curiosos; e que se quiser oferecê-los à sultana favorita, nenhuma huri terá semelhantes. Tu conheces sua
curiosidade; terá o desejo de nos ver. Uma vez admitidos à sua presença, não terás dificuldade em desdobrar tua mercadoria e lhe venderás tudo o que levamos: são roupas maravilhosas que mudam as pessoas que as colocam. Logo que o sultão e a sultana deles se revestirem, todo o palácio os tomará por nós e nós por eles: tu pelo
sultão, e eu por Ozara, a nova sultana. Operada essa metamorfose, estaremos livres para agir à nossa maneira e tu libertarás Nazara."



Tudo se passou como Tanaple havia anunciado; a venda ao sultão e a transformação. Depois de alguns minutos de horrível furor da parte do sultão, que queria caçar esses importunes e fazia um ruído espantoso, Noureddin tendo, segundo a ordem de Tanaple, chamado vários escravos, fez prender o sultão e Ozara como sendo
escravos rebeldes, e ordenou que fossem o conduzidos, em seguida, para junto da prisioneira Nazara. Ele queria, dizia, saber se ela estava disposta a confessar seu crime, e se ela estava pronta para morrer. Quis também que a favorita Ozara fosse com ele, para ver o suplício que infligia às mulheres infiéis. Dito isso, ele caminhou,
precedido do chefe dos eunucos, durante um quarto de hora em um sombrio corredor, ao cabo do qual havia uma porta de ferro pesada e maciça. Tendo o escravo tomado uma chave, abriu três fechaduras, e eles entraram em um gabinete grande, longo e alto de três ou quatro côvados; ali, sobre uma esteira de palha, estava sentada Nazara, um cântaro com água e algumas tâmaras ao seu lado. Não era mais a brilhante Nazara de outrora; ela estava bela, mas pálida e magra. À vista daquele que ela tomou por seu senhor, estremeceu de medo, porque ela pensava que sua hora havia chegado.



VII


- Levantai-vos, disse-lhe Noureddin, e segui-me. Nazara, banhada em lágrimas, lançou-selhe aos pés e implorou sua graça. -Nada de piedade para uma tal falta, disse o pretenso sultão; preparai-vos para morrer. Noureddin sofria muito por ter para com ela semelhante linguagem, mas não julgou chegado o momento de se fazer conhecer.

Nazara, vendo que era impossível dobrá-lo, o seguiu tremente. Eles retornaram aos apartamentos; ali Noureddin disse a Nazara para ir vestir roupas mais convenientes; depois, terminada a toilete, sem outra explicação, disse-lhe que iriam, ele e Ozana (o anão) conduzila para um bairro de Bagdá onde teria o que ela merecia.


Todos os três se cobriram com uma grande manta, para não serem reconhecidos, e saíram do palácio. Mas, ó terror! apenas passaram as portas, mudaram de aspecto aos olhos de Nazara; não eram mais o sultão e Ozana, nem os mercadores de roupas, mas o próprio Noureddin e Tanaple; eles ficaram tão amedrontados, sobretudo Nazara, ao se verem tão perto da morada do sultão, que aceleraram o passo com medo de serem reconhecidos.


Apenas entraram na casa de Noureddin, esta achou-se cercada por uma multidão de homens, escravos e de tropas, enviados pelo sultão para detê-los.


Ao primeiro ruído, Noureddin, Nazara e o anão se refugiaram no apartamento mais retirado do palácio. Ali, o anão lhes disse para não se amedrontarem; que não havia senão uma coisa a se fazer para não serem presos, que era colocar o pequeno dedo da mão esquerda na boca e assoviar três vezes; que Nazara deveria fazer o mesmo, e que, instantaneamente, tornarse-iam invisíveis para todos aqueles que quisessem se apoderar deles.


O ruído continuando a aumentar de modo alarmante, Nazara e Noureddin seguiram o conselho de Tanaple; quando os soldados entraram no apartamento, encontraram-no vazio, e se retiraram depois de fazerem as mais minuciosas buscas. Então, o anão disse a Noureddin para fazer ao contrário do que haviam feito, quer dizer, colocar o pequeno dedo da mão direita na boca e assoviar três vezes; fizeram-no e logo se acharam como eram antes.


O anão, em seguida, fez notar que, não estando em segurança na casa, deveriam deixá-la por algum tempo, a fim de que se apaziguasse a cólera do sultão. Ofereceu-lhes, em conseqüência, conduzi-los para seu palácio subterrâneo, onde estariam muito comodamente, enquanto se achassem os meios de tudo arranjar, a fim de que pudessem entrar sem medo em Bagdá, e nas melhores condições possíveis.



VIII


Noureddin hesitou, mas Nazara tanto lhe pediu, que acabou por consentir. O anão disse-lhes para irem ao jardim, comerem uma laranja com a cabeça voltada para o nascente, e que, então, seriam transportados sem o perceberem. Tiveram o ar de dúvida, mas Tanaple lhes disse que não compreendia sua dúvida depois do que fizera por eles. Tendo descido ao jardim, e tendo comido a laranja do modo indicado, se acharam subitamente elevados a uma altura prodigiosa; depois, subitamente, sentiram um forte abalo e um grande frio, e se sentiram descendo com grande velocidade. Nada viram durante o trajeto, mas quando tiveram consciência da situação, se acharam sob a terra, num magnífico palácio iluminado por mais de vinte mil velas.


Deixemos nossos amantes em seu palácio subterrâneo e retornemos ao nosso pequeno anão, que deixamos na casa de Noureddin.


Sabeis que o sultão havia enviado soldados para se apoderarem dos fugitivos; depois de haverem explorado os mais retirados cantos da habitação, assim como os jardins, não encontrando nada, foram forçados a se retirarem, para informarem ao sultão de sua tentativa infrutífera.



Tanaple acompanhara a todos ao longo do caminho; olhava-os com ar astuto e, de tempo em tempo, lhes perguntava qual preço o sultão daria àquele que trouxesse de novo os dois fugitivos. - Se o sultão, acrescentava ele, estiver disposto a conceder-me uma hora de audiência, dir-lhe-ei alguma coisa que o apaziguará, e ficará
encantado por se livrar de uma mulher como Nazara, que há nela um mau gênio, e que faria descer sobre ele todas as desgraças possíveis, se ela permanecesse algumas luas mais. O chefe dos Eunucos prometeulhe incumbir-se disso e transmitir-lhe a resposta do sultão.


Apenas entrados no palácio, o chefe dos negros veio dizer que seu senhor o esperava, prevenindo-lhe, todavia, que seria furado por uma lança se avançasse imposturas.

Nosso pequeno monstro se apressou em entrar na casa do sultão.


Chegado diante desse homem duro e severo, inclinou-se três vezes como é habitual, diante dos príncipes de Bagdá.


- Que tens a me dizer? perguntou-lhe o sultão. Sabes o que te espera se não disseres a verdade. Fala; eu te escuto.


"Grande Espírito, celeste Lua, tríade de Sóis, não anuncio senão a verdade. Nazara é filha da fada Negra e do gênio a Grande Serpente dos Infernos. Sua presença, em tua casa, te traria todas as pragas inimagináveis: praga das serpentes, eclipse do sol, lua azul impedindo os amores da noite; todos os teus desejos, enfim, iriam ser contrariados, e tuas mulheres envelhecidas antes mesmo que uma lua haja passado. Poderia dar-te uma prova do que adianto; sei onde se encontra Nazara; se quiseres, irei procurá-la e poderás convencer-te por ti mesmo. Não há senão um meio de evitar-se essas desgraças, é dar-lha a Noureddin.


Noureddin não é mais o que pensas; ele é filho da feiticeira Manouza e do gênio o Rochedo de Diamante. Se tu uni-los, em reconhecimento, Manouza te protegerá; se recusares.... Pobre príncipe! Eu te lamento. Faze a prova; depois disso decidirás.".


O sultão escutou com bastante calma o discurso de Tanaple; mas, logo depois, chamou uma tropa de homens armados, e ordenou-lhes aprisionarem o pequeno monstro, até que um acontecimento viesse convencê-lo daquilo que acabara de ouvir.


- Acreditava, disse Tanaple, fazer favor a um grande príncipe; mas vejo que me enganei e deixo aos gênios o cuidado de vingar seus filhos. Dito isso, seguiu aqueles que vieram para prendê-lo.



IX


Tanaple estava na prisão apenas há algumas horas, quando 9 Sol se cobriu com uma nuvem de cor sombria, como se um véu quisesse ocultá-lo à Terra; depois um grande ruído se fez ouvir, e de uma montanha, colocada à entrada da cidade, saiu um gigante armado que se dirigiu para o palácio do sultão.


Não vos direi que o sultão ficou muito calmo; longe disso; tremia como uma folha de laranjeira, que Éolo tivesse atormentado. A aproximação do gigante, ordenou fechar todas as portas, e todos os seus soldados estarem prontos, armas às mãos, para defenderem seu príncipe. Mas, ó estupefação! à aproximação do gigante, todas as portas se abriram, como impelidas por mão secreta; depois, gravemente, o gigante avançou até o sultão, sem dar um sinal, nem dizer uma palavra. À sua vista, o sultão se lançou de joelhos, pediu ao gigante poupá-lo e dizer o que exigia.


"Príncipe! disse o gigante, não digo grande coisa pela primeira vez; não faço mais que te advertir. Faça o que Tanaple te aconselhou, e nossa proteção ser-te-á assegurada; de outro modo, sofrerás a pena de tua obstinação." Dito isso, retirou-se.


O sultão ficou primeiro muito amedrontado; mas, ao cabo de um quarto de hora, estando recomposto de sua perturbação, longe de seguir os conselhos de Tanaple, fez logo publicar um édito que prometia uma magnífica recompensa àquele que pudesse colocá-lo nas pegadas dos fugitivos; depois, tendo colocado guardas nas portas do palácio e da cidade, esperou pacientemente. Mas sua paciência não foi de longa duração, ou pelo menos não lhe deixou tempo para colocá-la à prova. A partir do segundo dia, apareceu às portas da cidade um exército que tinha o ar de ter saído de baixo da terra; os soldados estavam vestidos com peles de toupeiras, e tinham armaduras de carapuças de tartarugas; levavam clavas feitas com lascas de rocha.


A sua aproximação, os guardas quiseram resistir, mas o aspecto formidável do exército logo fê-los abaixarem as armas; abriram as portas sem falarem, sem quebrar suas fileiras, e a tropa inimiga foi gravemente até o palácio. O sultão quis se mostrar à porta de seus apartamentos; mas, para sua grande surpresa, seus guardas
adormeceram e as portas se abriram por si mesmas; depois o chefe da armada avançou com passo grave até o sultão e lhe disse:


"Venho dizer-te que Tanaple, vendo tua obstinação, nos enviou para te procurar; em lugar de ser o sultão de um povo que não sabes governar, vamos conduzir-te às toupeiras; tu mesmo torna-te-ás toupeira e serás sultão aveludado. Vê se isso te convém antes que fazer o que Tanaple te ordenou; dou-te dez minutos para refletir.


O sultão gostaria de resistir; mas, para sua felicidade, após alguns momentos de reflexão, consentiu naquilo que se lhe exigiam; não quis colocar senão uma condição, de que os fugitivos não habitassem seu reino. Foi-lhe prometido e, no mesmo instante, sem saber de que lado e como, o exército desapareceu aos seus olhos.


Agora que a sorte de nossos amantes estava completamente assegurada, voltemos para junto deles. Sabeis que os deixamos no palácio subterrâneo.


Depois de alguns minutos, ofuscados e arrebatados pelo aspecto das maravilhas que os cercavam, quiseram visitar o palácio e seus arredores. Viram jardins encantadores. Coisa estranha! via-se tão claro quanto a céu descoberto. Aproximaram-se do palácio: todas as suas portas estavam abertas, e havia preparativos como para uma grande festa. À porta estava uma dama em magnífico vestido. Nossos fugitivos não a reconheceram de início; mas, aproximando-se mais, viram Manouza, a feiticeira, Manouza toda transformada; não era mais aquela velha mulher, feia e decrépita, era uma mulher já de uma certa idade, mas ainda bela, e com um grande ar.



"Noureddin, disse-lhe ela, te prometi ajuda e assistência. Hoje vais receber minha promessa; estás no fim de teus males e vais receber o prêmio de tua constância:

Nazara vai ser tua mulher; além disso dou-te este palácio; habitá-lo-ás e serás o rei de um povo de bravos e reconhecidos súditos; são dignos de ti, como és digno de reinar sobre eles."


A essas palavras, música harmoniosa fez-se ouvir, de todos os lados, apareceu uma multidão inumerável de homens e de mulheres em roupas de festa; à sua frente estavam os grandes senhores e as grandes senhoras que vieram se prosternar aos pés de Noureddin; ofereceramlhe uma coroa de ouro, enriquecida com diamantes, dizendo que o reconheciam por seu rei; que esse trono lhe pertencia como herança de seu pai; que foram encantados, há 400 anos pela vontade de mágicos maus, que esse encanto não deveria acabar senão com a presença de Noureddin. Em seguida, fizeram longo discurso pelas suas virtudes e as de Nazara.


Então, Manouza disse-lhe: Sois felizes, nada mais tenho a fazer aqui. Se tiverdes necessidade de mim, batei sobre a estátua que está no meio de vosso jardim e, no mesmo instante, eu virei. Depois ela desapareceu.


Noureddin e Nazara gostariam de retê-la por mais tempo, para lhe agradecer todas as suas bondades para com eles. Depois de alguns momentos, passados conversando, retornaram aos seus súditos; as festas e as alegrias duraram oito dias. Seu reinado foi longo e feliz; viveram milhares de anos, e posso dizer mesmo que vivem ainda; somente o país não foi reencontrado, ou, por melhor dizer, jamais foi muito conhecido.


Fim.



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Frédéric Soulié


Est un romancier, auteur dramatique, critique et journaliste français, né à Foix le 23 décembre 1800, mort à Bièvres le 23 septembre 1847. Il fut, avec
Honoré de Balzac, Eugène Sue et Alexandre Dumas, l'un des quatre grands feuilletonistes de la monarchie de Juillet. Auteur fécond et très populaire à l'époque, ses plus
grands succès furent, comme romancier, Les Mémoires du Diable et, au théâtre, La Closerie des genêts. Il est presque oublié aujourd'hui.


Biographie
Enfance et formation
Melchior-Frédéric Soulié naquit à Foix le 23 décembre 1800. Sa naissance rendit sa mère infirme. Son père, François Melchior Soulié, après avoir professé la philosophie
à l'université de Toulouse, s'était enrôlé en 1792 et il était parvenu au grade d'adjudant-général1, lorsqu'il fut forcé d'abandonner le service militaire pour cause de maladie.
Il était alors entré dans l'administration des finances comme employé des contributions. Frédéric demeura avec sa mère à Mirepoix jusqu'à l'âge de quatre ans. Son père
le prit ensuite avec lui en 1804. Frédéric suivit son père lorsqu'il fut muté à Nantes en 1808, puis à Poitiers en 1815 où Frédéric termina ses études secondaires. Son père
fut alors destitué comme partisan de Napoléon. Il se rendit à Paris ; Frédéric l'y accompagna et suivit les cours de l'école de droit. Expulsé pour avoir signé des pétitions
libérales et pris une part active à la révolte contre le doyen, il fut expédié avec plusieurs de ses camarades à l'École de Rennes où ils terminèrent leur droit sous la
surveillance de la police. Il avait été accusé de carbonarisme. Son droit fini, il rejoignit son père à Laval, où celui-ci avait été réintégré dans son emploi. Il travailla d'abord
avec son père puis entra lui-même dans l'administration. En 1824, son père ayant été mis à la retraite pour avoir mal voté aux élections, Frédéric démissionna de
l'administration.
Les débuts
Le père et le fils résolurent d'aller se fixer à Paris. Frédéric y publia des vers, qu'il avait composés en province, sous le titre Amours françaises, poèmes, suivis de trois
chants élégiaques, sous le nom de F. Soulié de Lavelanet. Ce petit volume passa inaperçu, mais lui permit de se faire des relations dans le milieu littéraire : Casimir
Delavigne lui prodigua ses encouragements et il devint l'ami d'Alexandre Dumas. Pour assurer sa subsistance, il devint directeur d'une scierie mécanique. Poussé par sa
vocation littéraire, il traduisit et adapta une tragédie de Shakespeare, Roméo et Juliette, qui fut représentée à l'Odéon le 10 juin 1828 et qui eut du succès. En même temps
qu'il écrivait Roméo et Juliette, Frédéric Soulié préparait une autre pièce en vers, de l'école romantique, Christine à Fontainebleau. Cette pièce, jouée à l'Odéon le 13
octobre 1829, en pleine bataille romantique, fut un échec. Découragé, il devint journaliste et écrivit des nouvelles. Cependant, le 17 juin 1830, il reparut au théâtre, pour
faire représenter une simple pièce en deux actes, intitulée Une Nuit du duc de Montfort. Elle obtint plus de succès et lui rapporta plus d'argent que ses deux tragédies. Un
peu plus d'un mois après, éclata la révolution et Frédéric Soulié combattit au milieu des insurgés, le fusil à la main, dans les rues de Paris. Il fut décoré de la Croix de
Juillet. L'ordre rétabli, il reprit la plume, écrivant un peu partout, spécialement dans les petits journaux, comme La Mode et Le Voleur, avec Balzac et Eugène Sue. Au
théâtre, il eut encore à subir une défaite ; une pièce en cinq actes et en prose, Nobles et bourgeois, tomba d'une façon désespérante. Pourtant, il ne se rebuta point. La
Famille de Lusigny, drame en trois actes, joué au Français le 15 octobre 1831, dont le sujet était pris dans le roman de Lacretelle, Le Fils naturel, réussit assez bien.
Les premiers succès
Encouragé par ce succès, il se mit à écrire simultanément un drame et un roman. Le drame, c'était Clotilde ; le roman, Les Deux cadavres. Le 11 septembre 1832, eut
lieu la première représentation de Clotilde au Théâtre-Français. La pièce reçut les applaudissements enthousiastes d'un nombreux public. À peu près au même moment
parut le roman Les Deux cadavres, tissu d'horreurs, de meurtres et de scènes sanglantes, mais admirablement écrit, et qui fut un grand succès. Dès ce moment, la
réputation de Frédéric Soulié comme dramaturge et romancier fut parfaitement établie. En 1833, il publia un recueil de nouvelles, Le Port de Créteil, qui réussit assez
bien. À cette époque, il fonda un journal, Le Napoléon, qu'il céda bientôt à Émile Marco de Saint-Hilaire. Au théâtre, deux pièces qu'il fit représenter aux boulevards,
L'Homme à la blouse et Le Roi de Sicile furent ses deux derniers échecs. Durant les deux années qui suivirent, Frédéric Soulié déploya la plus féconde activité. Une
pièce de théâtre, Une Aventure sous Charles IX, représentée au Théâtre-Français le 21 mai 1834, fut très applaudie et beaucoup jouée. Il publia des romans et des
nouvelles : Le Vicomte de Béziers, Le Magnétiseur, Le Comte de Toulouse, Le Conseiller d'État. Le 6 août 1835, il fit représenter Les Deux reines à l'Opéra-Comique et
remporta un vif succès. En 1836, parurent Un Été à Meudon, Deux séjours - Province et Paris, Sathaniel, Romans historiques du Languedoc. Malgré toutes ces
publications, il restait dans un état de fortune assez précaire, les auteurs étant assez peu rétribués à l'époque. Le maréchal Clauzel, son oncle, en devenant une seconde
fois gouverneur-général de l'Algérie, lui réitéra une offre qu'il lui avait déjà faite en 1831 : celle d'un bon emploi dans l'administration de la colonie ; mais il refusa encore,
préférant se consacrer à sa vocation littéraire. Il ne voulut pas non plus accepter la proposition que lui fit le comte Molé, alors président du Conseil (1837), d'entrer au
Conseil d'État, à condition d'abandonner la carrière d'homme de lettres.
La renommée
Ce fut vers cette époque qu'il conçut l'idée des Mémoires du Diable, œuvre gigantesque, énergiquement écrite, inspirée du Diable boiteux de Lesage. La parution
commença vers le milieu de 1837 et ne s'acheva qu'en mars 1838. C'était le tableau de la société dans ce qu'elle a de plus hideux, de plus atroce. Le crime, l'inceste,
l'adultère, la fausseté, toutes les mauvaises passions humaines, s'y identifiaient à des personnages dépeints sous les dehors trompeurs du bien et du bon, de l'innocence et
de la pureté. Tel homme, parfaitement considéré, jouissant d'une haute réputation de probité, n'était que vices infâmes. Telle femme, qu'on citait pour sa vertu, n'était
qu'hypocrisie et débauche. L'immense renommée qu'acquit à Frédéric Soulié cette publication le plaça au faîte de la gloire littéraire. Au même moment, sa tragédie de
Roméo et Juliette, reprise à l'Odéon, fut accueillie par d'unanimes bravos. Durant l'année 1839, trois pièces de Frédéric Soulié furent représentées au Théâtre de la
Renaissance : Diane de Chivri, Le Fils de la folle, tirée de son roman Le Maître d'école, et Le Proscrit ; elles eurent de légitimes succès. Immédiatement après son
immense succès des Mémoires du Diable, il fit paraître L'Homme de lettres puis, en 1839, Six mois de correspondance - Diane et Louise et Le Maître d'école. Ces
rapides publications ne l'empêchaient pas de donner des nouvelles dans L'Europe littéraire, La Mode, la Revue de Paris, La Chronique de Paris ; des feuilletons dans Le
Journal général de France, Le Journal des Débats, La Presse, La Quotidienne, le Messager, Le Siècle ; des articles dans des recueils tels que Paris moderne, le Musée
des familles ou le Journal des enfants. Il coopéra, avec l'élite de la littérature, à plusieurs ouvrages collectifs qui parurent à cette époque (voir la liste des œuvres). Lors de
la translation des cendres de l'Empereur, en 1840, il parut de lui une petite brochure, intitulée Le Tombeau de Napoléon. Frédéric Soulié aimait l'époque impériale : déjà, il
avait fondé un journal, Le Napoléon, publié, en 1837, La Lanterne magique, histoire de Napoléon, racontée par deux soldats, écrit une introduction pour les Souvenirs de la
vie privée de Napoléon, et maintenant il donnait des Petits contes militaires.
De 1840 à 1847, Frédéric Soulié publia de nombreux romans, cités ci-dessous dans la liste des œuvres. À la même époque, il fit jouer au théâtre de l'Ambigu plusieurs
pièces qui eurent toutes un grand nombre de représentations : l'Ouvrier, Gaëtan il Mammone, Eulalie Pontois, les Amants de Murcie, les Talismans (féerie), les Étudiants
et enfin, le 14 octobre 1846, la Closerie des genêts, dont le succès fut colossal. Quelque temps après ce triomphe, Frédéric Soulié fut affecté d'une maladie cardiaque et,
après trois mois de souffrances, il mourut à Bièvres, dans sa maison de campagne de l'Abbaye-aux-Bois, le 23 septembre 1847. Une foule considérable assista le 27
septembre à ses obsèques en l'Église Sainte-Élisabeth du Temple et à son inhumation au cimetière du Père-Lachaise2 où Victor Hugo prononça un discours et où
Alexandre Dumas, pressé par la foule de dire quelque chose, s'effondra en sanglots.
Œuvres
La liste des œuvres est présentée comme une bibliothèque numérique, avec des liens permettant de lire en ligne et de télécharger la quasi-totalité des œuvres de Frédéric
Soulié.
Poésie
Amours françaises, suivies de trois chants élégiaques, poésies, 1824.
   Texte en ligne : Paris, Ladvocat, 1824, sur gallica.bnf

Théâtre
Roméo et Juliette, tragédie en cinq actes et en vers (Odéon, 10 juin 1828).
   Texte en ligne in Théâtre I, Paris, Souverain, 1840, sur ÖNB

Christine à Fontainebleau, drame en trois actes, en vers (Odéon, 13 octobre 1829).
   Texte en ligne sur gallica.bnf, in Théâtre I, Paris, Souverain, 1840, sur ÖNB

Une nuit du duc de Montfort, drame en un acte, en prose (Odéon, 1830)
Nobles et bourgeois, drame en cinq actes, en prose, 1830
La Famille de Lusigny, drame en cinq actes, en prose (Théâtre-Français, 15 octobre 1831).
   Texte en ligne sur archive.org, in Théâtre II, Paris, Souverain, 1840, sur ÖNB

Clotilde, drame en cinq actes, en prose (Théâtre-Français, 11 septembre 1832).
   Texte en ligne in Théâtre II, Paris, Souverain, 1840, sur ÖNB

l'Homme à la blouse, drame en cinq actes, en prose (Porte-Saint-Martin, 19 décembre 1932)
Le Roi de Sicile, drame en cinq actes, en prose, 1833
Une aventure sous Charles IX, drame en cinq actes, en prose (Théâtre-Français, 20 mai 1834).
   Texte en ligne in Théâtre II, Paris, Souverain, 1840, sur ÖNB

Les Deux reines, opéra-comique (Opéra-Comique, 6 août 1835).
   Texte en ligne sur gallica.bnf

Diane de Chivri, drame en cinq actes, en prose (Renaissance, 9 février 1839).
   Texte en ligne sur archive.org, in Théâtre III, Paris, Souverain, 1845, sur ÖNB

Le Fils de la folle, drame en cinq actes, en prose (Renaissance, 11 juillet 1839).
   Texte en ligne sur gallica.bnf, in Théâtre IV, Paris, Souverain, 1842, sur ÖNB

Le Proscrit, drame en cinq actes, en prose (Renaissance, 7 novembre 1839).
   Texte en ligne in Théâtre IV, Paris, Souverain, 1842, sur ÖNB

L'Ouvrier, drame en cinq actes, en prose (Ambigu-Comique, 18 janvier 1840).
   Texte en ligne sur gallica.bnf, in Théâtre III, Paris, Souverain, 1845, sur ÖNB

Gaëtan il Mammone, drame en cinq actes, en prose (Ambigu-Comique, 12 novembre 1842)
Eulalie Pontois, drame en cinq actes (Ambigu-Comique, 18 mai 1843)
Les Amants de Murcie, drame en cinq actes, en prose (Ambigu-Comique, 9 mars 1844).
   Texte en ligne sur gallica.bnf

Les Talismans, drame fantastique (féerie) en cinq actes (Ambigu-Comique, 30 janvier 1845)
Les Étudiants, drame en cinq actes, en prose (Ambigu-Comique, 24 mai 1845)
La Closerie des genêts, drame en cinq actes, en prose (Ambigu-Comique, 14 octobre 1846).
   Texte en ligne sur gallica.bnf

On a, de plus, représenté une de ses oeuvres posthumes, Hortense de Blengie, drame en trois actes, en prose (Ambigu-Comique, 15 janvier 1848).
   Texte en ligne sur gallica.bnf


Romans, nouvelles, récits et contes
Les Deux cadavres, roman, 1832.
   Texte en ligne Paris, Gosselin, 1840, sur archive.org

Le Port de Créteil, nouvelles, 1832.
   Texte en ligne : Tome I (la Trappistine, la Lampe de Saint-Just, Étrennes des bons Ménages, Nuit du 28 au 29 juillet, Un Montmorency) Paris, Magen, 1843, sur   

gallica.bnf, Tome II (Un Montmorency (suite), Mademoiselle de la Faille, Aimery Bérenger, l'Écrivain public, le Sire de Terrides, l'Espionne, Scène de 1815, l'Orage)   
Paris, Magen, 1843, sur gallica.bnf
Le Magnétiseur, roman, 1834.
   Texte en ligne Paris, Gosselin, 1834, Volume I, sur archive.org, Paris, Gosselin, 1834, Volume II, sur archive.org

Le Comte de Toulouse, roman, 1834.
   Texte en ligne Paris, Michel Lévy, 1870, sur archive.org

Le Vicomte de Béziers, roman, 1834.
   Texte en ligne Paris, Michel Lévy, 1860, sur archive.org

Le Conseiller d'État, roman, 1835.
   Texte en ligne Paris, Gosselin, 1841, sur archive.org

Un été à Meudon, nouvelles, 1836.
   Texte en ligne Bruxelles, Meline, 1836, Volume 1 sur gallica.bnf,
                         Bruxelles, Meline, 1836, Volume 2 sur gallica.bnf,
                         En un seul volume : Paris, Michel Lévy, 1871, sur archive.org (la Nièce de Vaugelas, Message, la Grille du parc, Coelina, Tragédie Bourgeoise, Un nom, 

                        le Rêve de Villebois)
Deux séjours, province et Paris, roman, 1836. Volume 1 (Province: le Château de Montfillon,
Souvenirs de l'Ariège,
Visite fiscale dans la Mayenne) Texte en ligne Paris, Souverain, 1836, sur ÖNB

Romans historiques du Languedoc :
   Première partie : les Quatre époques, roman, 1836.
      Texte en ligne : Volume 1 (les Celtes, les Gaulois) Paris, Dumont, 1837, sur archive.org,
                             Volume 2 (les Romains, les Chrétiens) : Paris, Dumont, 1837, sur archive.org.
                             Deuxième partie : Sathaniel, roman, 1836.
                             Texte en ligne Paris, Dupont, 1837, Tome I, sur gallica.bnf, Paris, Dupont, 1837,
                                                                                 Tome II, sur gallica.bnf ;
                             les troisième et quatrième parties sont le Comte de Toulouse et le Vicomte de Béziers, déjà parus antérieurement.

La Lanterne magique, histoire de Napoléon racontée par deux soldats, ouvrage pour la jeunesse, 1837.
   Texte en ligne Paris, Henriot, 1838, sur gallica.bnf

Les Mémoires du diable, roman, 1837-1838.
   Texte en ligne Paris, Michel Lévy, 1858, sur archive.org, Volume 1, Volume 2

Ll'Homme de lettres, nouvelles, 1838.
   v. 1. Un malheur complet. Les averses --
   v. 2. Les deux roses. La tour de Verdun. Misères du dimanche. Aventure du chat galant.

Le choix d'un nom -- v. 3. Un projet de loi. Léon Baburrus. Une Bohémienne au XVe siècle. Les deux aveugles de 1525. Christine à Fontainebleau.
   Texte en ligne Paris, Souverain, 1838, sur ÖNB, Volume 1, 2, 3

Six mois de correspondance - Diane et Louise, roman, 1839.
   Texte en ligne Paris, Librairie Nouvelle, 1857, sur Oxford Libraries.
   Diane et Louise est le second roman contenu dans l'ouvrage, après le Maître d'école.

Le Maître d'école, roman, 1839.
   Texte en ligne Bruxelles, Jamar, 1839, sur BSB

Un rêve d'amour, roman, 1840.
   Texte en ligne : Paris, Dumont, 1840, sur ÖNB

Le Tombeau de Napoléon, 1840
Petits contes militaires, 1840
La Chambrière, roman, 1840.
   Texte en ligne : Paris, Dumont, 1840, sur ÖNB

Confession générale, roman, 1840-1846.
   Texte en ligne Paris, le Constitutionnel, 1857, sur archive.org, Volume 1, Volume 2

Les Quatre sœurs, roman, 1841.
   Texte en ligne Paris, Michel Lévy, 1858, sur gallica.bnf

Physiologie du bas-bleu, roman, 1841.
   Texte en ligne Paris, Aubert, sur gallica.bnf

Le Château de Walstein, roman, 1841.
   Texte en ligne Paris, Souverain, 1841, sur ÖNB, Volume 1, 2, 3

Eulalie Pontois, roman, 1842.
   Texte en ligne Bruxelles, Jamar, 1840, sur BSB ou Paris, Michel Lévy, 1858, sur gallica.bnf

Marguerite, roman, 1842.
   Texte en ligne Bruxelles, Meline, 1842, sur archive.org

Les Prétendus, roman, 1843.
   Texte en ligne Paris, Michel Lévy, 1871, sur archive.org

Le Bananier, roman, 1843.
   Texte en ligne Paris, Michel Lévy, 1858, sur gallica.bnf

Maison de campagne à vendre, roman, 1843.
   Texte en ligne Paris, Comptoir des Imprimeurs-Unis, 1843, sur ÖNB

Le Château des Pyrénées, roman, 1843.
   Texte en ligne Paris, Comptoir des Imprimeurs-Unis, 1843, sur archive.org, Volume 1, 2, 3, 4, 5

Huit jours au château, roman, 1843-1844.
   Texte en ligne : En un seul volume Bruxelles, Meline, 1842, sur archive.org.
   Édition originale sous le titre les Mystères de province Paris, Souverain, 1843, sur ÖNG, volume 1, 2, 3, 4, 5

Si jeunesse savait, si vieillesse pouvait, roman, 1844.
   Texte en ligne Paris, Michel Lévy, 1859, sur archive.org, Volume 1, 2

Au jour le jour, roman, 1844.
   Texte en ligne : Bruxelles, Lebègue, 1844, sur archive.org

Les Drames inconnus, roman en quatre parties (1846) :
   Études de la vie sociale ou la Maison numéro 3 de la rue de Provence Paris, Librairie Nouvelle, 1857, sur archive.org, Volume 1,
   Aventures d'un jeune cadet de famille Volume 2,
   les Amours de Victor Bonsenne Volume 3,
   Olivier Duhamel Volume 4, Volume 5

La Comtesse de Monrion, roman, 1846-1847.
   Texte en ligne : Première partie, la Lionne : Paris, Librairie nouvelle, 1856, sur BSB. Seconde partie, Julie : Bruxelles, Meline, 1846, sur archive.org

Les Aventures de Saturnin Fichet, roman, 1847-1848.
   Texte en ligne Paris, Michel Lévy, 1860, sur archive.org, Volume 1, Volume 2

Le Comte de Foix, roman inachevé, 1852.
   Texte en ligne Paris, Souverain, 1852, sur gallica.bnf, volume 1, volume 2

Le Veau d'or, roman inachevé terminé par Léo Lespès (nom de plume de Delphine de Girardin), 1853.
   Texte en ligne Paris, Le Siècle, 1856, sur gallica.bnf

Contes pour les enfants, réunis en 1859 :
   Texte en ligne Paris, Michel Lévy, 1859, sur gallica.bnf : l'Enfant des grenadiers de la garde, Eugénie ou l'Enfant sans mère, le

Roi de Rome, le Sapeur de dix ans,
   M. Perroquet, l'Auberge de Sainte-Gabelle, le Tour de France,
   la Mort d'un enfant, le Petit pêcheur,
   Jane Grey ou la Reine de seize ans,
   la Lanterne magique,
   Bataille d'Austerlitz,
   Rivalité de Murat et de Davoust,
   l'Arc de triomphe de l'Étoile

Les Quatre napolitaines, roman inachevé, 1860.
   Texte en ligne Paris, Michel Lévy, 1860, sur archive.org

Contes et récits de ma grand'mère, réunis en 1866 :
   Texte en ligne Paris, Michel Lévy, 1866, sur gallica.bnf : le Tour de France, le Cocher du Maréchal C., la Poupée de

La fête aux Loges, l'Orpheline de Waterloo, le Louis d'or, Louis Jacquot, le Roi Jean, le Conseiller au Parlement, la Mort de Duranti
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Paulo Cesar Fernandes

09  11  2013

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

20131107 O problema do Ser é isto

O problema do Ser é isto


Léon Denis

O problema do ser, do destino e da dor.


Primeira parte: O problema do ser

1. A evolução do pensamento

2. O critério da doutrina dos espíritos

3. O problema do Ser (Um trecho inicial


O primeiro problema que se apresenta ao pensamento é o do próprio pensamento, ou, antes, do ser pensante. É isto, para todos nós, assunto capital, que domina todos os outros e cuja solução nos reconduz às próprias origens da vida e do universo.



Qual a natureza da nossa personalidade? Comporta um elemento suscetível de sobreviver à morte? A essa questão estão afetas todas as apreensões, todas as esperanças da humanidade.



O problema do ser e o problema da alma fundem-se num só. É a alma   que fornece ao homem o seu princípio de vida e movimento. A alma humana é uma vontade livre e soberana, é a unidade consciente que domina todos os atributos, todas as funções, todos os elementos materiais do ser, como a Alma divina domina, coordena e liga todas as partes do universo para harmonizá-las.



A alma é imortal, porque o nada não existe e coisa alguma pode ser aniquilada, nenhuma individualidade pode deixar de ser. A dissolução das formas materiais prova simplesmente uma coisa: que a alma é separada do organismo por meio do qual comunicava com o meio terrestre. Não deixa, por esse fato, de prosseguir a sua evolução em novas condições, sob formas mais perfeitas e sem nada perder da sua identidade. De cada vez que ela abandona o seu corpo terrestre, encontra-se novamente na vida do espaço, unida ao seu corpo espiritual, do qual é inseparável, à forma imponderável que para si preparou com os seus pensamentos e obras.



Esse corpo sutil, essa duplicação fluídica existe em nós no estado permanente. Embora invisível, serve, entretanto, de molde ao nosso corpo material. Este não representa, no destino do ser, o papel mais importante. O corpo visível, ou corpo físico, varia. Formado de acordo com as necessidades da vida terrestre, é temporário e
perecível; desagrega-se e dissolve-se quando morre. O corpo sutil permanece; preexistindo ao nascimento, sobrevive às decomposições da campa e acompanha a alma nas suas transmigrações. É o modelo, o tipo original, a verdadeira forma humana, à qual vêm incorporar-se temporariamente as moléculas da carne. Essa forma sutil, que se mantém no meio de todas as variações e de todas as correntes materiais, mesmo durante a vida pode separar-se, em certas condições, do corpo carnal, e também agir, aparecer, manifestar-se à distância, como mais adiante veremos, de modo a provar de maneira irrecusável sua existência independente.



Nota referente ao trecho acima:

A ciência fisiológica, à qual escapa ainda a maior parte das leis da vida, entreviu, no entanto, a existência do perispírito ou do corpo fluídico, que é ao mesmo tempo o molde do corpo material, o vestuário da alma e o intermediário obrigatório entre eles. Claude Bernard escreveu (Recherches sur les Problèmes de la Physiologie): “Há como um desenho preestabelecido de cada ser e de cada órgão, de modo que, se considerado insuladamente, cada fenômeno do organismo é tributário das forças gerais da Natureza; em conjunto, parecem eles revelar um laço especial, parecem dirigidos por alguma condição invisível pelo caminho que seguem, na ordem que os concatena.”



Sem a noção do corpo fluídico, a união da alma com o corpo material torna-se incompreensível. Daí o enfraquecimento de certas teorias espiritualistas, que consideravam a alma como “Espírito puro”. Nem a razão nem a Ciência podem admitir um ser sem forma. Leibniz, no prefácio das suas Nouvelles Recherches sur la Raison Humaine, dizia: “Creio, com a maior parte dos antigos, que todos os Espíritos, todas as almas, todas as substâncias simples, ativas, estão sempre unidas a um corpo e que nunca existem almas completamente desprovidas deles.”



Enfim, existem numerosas provas, objetivas e subjetivas, da existência do perispírito. São, em primeiro lugar, as sensações chamadas “de integridade”, que acompanham sempre a amputação de qualquer membro. Alguns magnetizadores afirmam que podem exercer influência nos seus doentes, magnetizando o prolongamento fluídico dos membros amputados (Carl du Prel, La Doctrine Monistique de l'Ame, cap. VI). Vêm depois as aparições dos fantasmas dos vivos. Em muitos casos, o corpo fluídico,
concretizado, tem impressionado placas fotográficas, deixado impressões e moldagens em substâncias moles, traços no pó e na fuligem, provocado o deslocamento de objetos, etc. (Ver: No Invisível, caps. XII e XX.)


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Tomo como minhas cada uma das palavras de Léon Denis nesse trecho.


Para ver como o preconceito é uma coisa burra: sempre me afastei das obras de Léon Denis por sua postura política retrógrada e até reacionária mesmo.


Hoje já salto de lado dessa postura, para perceber que mesmo com seu reacionarismo, ele tem contribuições às quais me permitirão uma melhor visão do espiritismo, da vida e da relação entre o universo material e o imaterial.


Afinal, sempre é tempo de crescer.

Triste é achar que já é grande o suficiente.

Na vida temos uma descoberta a cada dia.


Paulo Cesar Fernandes

07  11  2013

20131107 Uma visão cristalina do processo

Uma visão cristalina do processo


A meu juízo "O Espírito e o Tempo" é o melhor livro do Professor Herculano Pires. Apenas comparável ao livro de Darcy Ribeiro "O Processo Civilizatório".


O que me encanta é que são dois grandes pedagogos. Dois grandes homens, cuja maior ambição era o progresso da humanidade, cada um a seu jeito e a seu tempo, mas ambos edificando uma meta comum.


Coloco abaixo a dedicatória do livro para termos claro a afetividade do Professor. Nem todo grande intelectual é frio como o senso comum estabelece.

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José Herculano Pires
O Espírito e o Tempo



DEDICATÓRIA

À HELENA,
que me fez escrever este livro.


Aos companheiros
URBANO DE ASSIS XAVIER
ANSELMO GOMES
EURIPIDES SOARES DA ROCHA
que empregaram o tempo no estudo destes problemas, e hoje o prosseguem, no fluir da duração.




Capítulo 2

HORIZONTE AGRÍCOLA: ANIMISMO E CULTO DOS ANCESTRAIS


1. RACIONALIZAÇÃO ANÍMICA — Quando estudamos o “horizonte agrícola”, ou seja, o mundo das primeiras formas sedentárias de vida social, vemos o animismo tribal desenvolver-se no plano da racionalização. Estamos naquele momento hegeliano, e por isso mesmo dialético, em que a razão se desenrola no processo histórico, entendido este como o progresso do homem na terra. A domesticação de animais e de plantas, a invenção e o emprego de instrumentos, a criação da riqueza, processam-se de maneira simultânea com o aumento demográfico e o desenvolvimento mental do homem.



É precisamente do desenvolvimento mental que vai surgir uma consequência curiosa: o aprofundamento da crença tribal nos espíritos, num sentido de personalização, envolvendo os aspectos e os elementos da natureza. A experiência concreta, que deu ao homem primitivo o conhecimento da existência dos espíritos, alia-se agora ao uso mais amplo das categorias da razão. As duas formas gerais de racionalização do Universo, que aparecem nesse momento, e que devem constituir a base de todo o processo de racionalização anímica, são a concepção da Terra-Mãe e a do Céu-Pai. Essas formas aparecem bem nítidas no pensamento chinês, que conservou até os nossos dias os elementos característicos do “horizonte agrícola”. O céu é o deus-pai, que fecunda a terra, deusa-mãe.



Em algumas regiões, como podemos ver no estudo da civilização egípcia, há uma inversão de posições: o céu é mãe e a terra é pai. Essa inversão não tem outra significação que a de maior importância da terra ou do céu para a vida das tribos. Quando as inundações do Nilo não dependem das chuvas locais, não parecem provir do céu, mas das próprias entranhas da terra. Esta encarna, então, o poder fecundante, cabendo ao céu, tão-somente, o papel materno de proteger as plantações. Os estudos materialistas confundem o problema da racionalização com o da experiência concreta da sobrevivência. Tomam, pois, a Nuvem por Juno, ao concluírem que o homem primitivo atribui à terra e ao céu uma feição humana, Cinicamente para tornar o mundo exterior acessível à compreensão racional. Os estudos espíritas mostram que há
uma distinção a fazer-se, nesse caso. O processo de racionalização decorre da experiência concreta, e por isso mesmo não pode ser encarado de maneira exclusivamente abstrata.



Procuremos esclarecer isto. De um lado, temos a experiência concreta, constituída pelos contatos do homem com realidades objetivas. De outro lado, temos o processo da racionalização do mundo, ou seja, de enquadramento dos aspectos e dos elementos da natureza nas categorias da razão ou categorias da experiência. Da mesma maneira porque o contato do homem com o espaço físico lhe fornece uma medida para aplicar às coisas exteriores — a categoria espacial, o conceito de espaço — assim também o contato com os fenômenos espirituais lhe fornece uma medida espiritual, que é conceito de espírito. Este conceito é usado no processo de racionalização, como qualquer outro. Mas é absurdo querermos negar os fatos concretos que deram origem à categoria racional, ou querermos atribuir a essa categoria uma origem abstrata, diferente das outras.



Somos levados, assim, a concluir que o animismo do “horizonte agrícola” apresenta três aspectos distintos, quando encarados sob a luz do Espiritismo. Temos primeiramente o aprofundamento do animismo tribal na personalização da natureza, que chamaremos Fetichismo, com os fetiches básicos da Terra-Mãe e do Céu-Pai.
Depois, temos a fusão da experiência e da imaginação, com o desenvolvimento mental do homem, no progresso natural do Mediunismo. Dessa fusão vai nascer a mitologia popular, impregnada de magia. E em terceiro lugar encontramos a primeira forma de religião antropomórfica, consequência da experiência concreta de que fala Bozzano, com o culto dos ancestrais. Deuses-lares, manes e deuses-locais, como os deuses dos “nomos” egípcios, por exemplo, são entidades reais e não formas de
racionalização. Nos deuses dos “nomos” egípcios, ou seja, das regiões do antigo Egito, temos já o momento de transição dos deuses reais para o processo de racionalização.



A transição se efetua por uma maneira bastante conhecida. É um processo de fusão, que encontramos ao longo de todo o desenvolvimento espiritual do homem. O Fetichismo se funde com o Culto dos Ancestrais, através do Mediunismo. Os fetiches, como a terra e o céu, misturam-se aos ancestrais, identificam-se a eles, na
imaginação em desenvolvimento. A mente rudimentar não sabe ainda fazer distinções precisas. Assim, por exemplo, Osíris, que foi um antepassado e como tal recebeu um culto familiar, transforma-se numa personificação da terra, com o seu poder de fecundação, ou no próprio Nilo, cujas águas sustentam a vida. A projeção anímica se realiza, nesse caso, através de uma experiência concreta. A mitologia nasce da história, pois a existência histórica de Osíris é convertida em mito, pela necessidade de racionalização do mundo. Nada melhor que os estudos de “sir” James Frazer sobre o mito de Osiris, para nos mostrar isso.



Kardec esclarece este problema, ao comentar a pergunta 521 de “O Livro dos Espíritos”, afirmando: “Os antigos haviam feito desses Espíritos divindades especiais. As Musas não eram mais do que personificação alegórica dos Espíritos protetores das ciências e das artes, como chamavam pelos nomes de lares e penates os Espíritos
protetores da família. Entre os modernos, as artes, as diferentes indústrias, as cidades, os países, têm também os seus patronos, que não são mais do que os Espíritos Superiores, mas com outros nomes.” Ao fazerem dos Espíritos “divindades especiais”, como assinala Kardec, os antigos procediam à racionalização do mundo, o que não quer dizer que os Espíritos fossem apenas “formas racionais”. Essas formas, pelo contrário, decorriam de fatos concretos, de realidades naturais.



Como vemos, ao tratar do animismo primitivo e seu desenvolvimento no “horizonte agrícola”, não podemos negar a existência real dos espíritos, a pretexto de explicar o mecanismo do processo de racionalização. Este mecanismo torna-se mesmo inexplicável, quando lhe suprimimos a base concreta dos fatos, como dizia Bozzano, na qual se encontram os espíritos comunicantes. Vê-se claramente a distorção da realidade, a guinada do pensamento para os rumos do absurdo, quando os cientistas
materialistas tentam explicar o processo de racionalização, ignorando as experiências mediúnicas do homem primitivo. O Espiritismo restabelece a verdade, ao mostrar a importância do mediunismo no desenvolvimento humano.

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Enquanto lia este trecho me tocou a emoção, pela clareza e lógica de sua estruturação, porém, mais do que isso por nos mostrar elementos ainda presentes em Povos Originários de nosso continente.


Me causou muito impacto, e muito carinho, ter visto a cerimônia da família de Ricardo Vilca, um músico e Professor Rural da Província de Jujuy na Argentina. Cada membro da família colocava numa cova no chão alguma quantidade de alimento para MamaPancha ou MãeTerra, no intuito que não lhes faltasse alimento no transcurso do ano vindouro.


Ricardo era amado por seu povo e por seus amigos em função de sua bondade. Tenho duas obras musicais de "Ricardo Vilca y sus amigos" algumas vezes usadas para elevar o clima mental/espiritual aqui de casa. A suavidade da música andina, todas as vezes me leva a espaços espírituais que em geral desconheço.


Eu tenho um profundo respeito por todas as práticas de todos os povos e etnias. E acho que houve um massacre cultural, quando espanhóis e portugueses impuseram sua forma de ver aos Povos Originários de nosso continente. Há que lembrar que eles já tinham seus deuses, seus cantos e suas práticas religiosas.


Não consigo concordar com a visão Eurocêntrica de Kardec e seus seguidores. Basta estudar a visão jurídica dos Quechuas e Aymaras para ver onde se situa a verdadeira noção de direito e de justiça.


Não há povos mais civilizados que outros.


Quem te disse que a tecnologia é civilização?


Quem te fez acreditar nessa bobagem?


Civilização é harmonia entre os povos e entre os indivíduos.


Sociedades onde esteja ausente o primado do Amor e da Justiça não podem ser consideradas Sociedades Humanas Civilizadas.


Enquanto a Terra for palco de famintos e de seres em guerra não nos podemos considerar como civilizados.


Martin Heidegger combatia a técnica, pois a técnica distanciava o homem do Ser que era. Lutou pelo primado do Ser.


Vivesse hoje estaria em combate contra o "consumismo" e o "primado das celebridades vazias de conteúdo".


Me cite nas "Observações" algum verdadeiro intelectual, algum valoroso cientista que seja celebridade. Festejado pelos Meios de comunicação de Massas. Eu desconheço.


Uma outra lógica social é possível e necessária. Luto por ela, eu admito. Mas não estou só nesta luta. Pensadores e artistas de muitos outros países, e mesmo do Brasil tem a mesma proposta.


Somos todos criados para a Liberdade, o Bem, a Felicidade e para o Amor. Tudo fora disto é ilusão passageira, como um amor de carnaval.



Paulo Cesar Fernandes

07  11  2013