sábado, 6 de junho de 2009

Duas do Tio Adolfo e mais...

Crônicas dos tempos do Quanta

Um Sábado, enquanto almoçava, a imagem de um tio meu veio à tela mental, e com ela lembranças de alguns casos de sua vida aqui na terra. Uma série de reflexões se seguiram ao longo do dia.

Tio Adolfo era uma pessoa de baixa estatura física, aparência sempre impecável, fruto de sua atividade profissional: inicialmente garçom e mais tarde dono de uma casa noturna em São Paulo, a cidade onde sempre residiu.

Mangas curtas? Não me lembro de vê-lo, mesmo dentro do mais austero verão santista. Sempre asseado e bem posto, em sua calma habitual preparando seu cachimbo, e nos observando na rua, a partir do terraço da casa de sua filha.

Seus lábios, sempre aptos a um sorriso aberto. Personalidade marcante e bem humorada. Inteligência e perspicácia de quem observa a vida em seus pequenos detalhes.

Como as lembranças sempre nos traem, narrarei os fatos sujeitos a incorreções, mas fiel às lembranças das narrativas feitas pelos familiares.

Era um desses dias de Domingo, quando a família se reune para o almoço, sem objetivo maior que a simples presença mútua; o desfrute da companhia e a comilança.

Após o almoço. Cada qual meio estirado a um canto da sala; conversas poucas, e aquela preguiça presente, fruto de algumas garfadas a mais.

Apenas uma ou outra fala a meio tom.
_ Eu preciso ir ao médico. - diz a meio tom Tio Adolfo.

Ninguém se manifesta. A letargia domina o recinto
_ Preciso mesmo ir ao médico. - diz já em tom normal, para ser ouvido e contestado.

Uma das sobrinhas é quem pergunta :
_ Mas afinal tio, o que acontece ?

Tio Adolfo se ajeita na cadeira, e assume um ar de seriedade dizendo :
_ Sabe filha, eu venho percebendo isto faz algum tempo. Todos os dias após o almoço me desapareçe, desapareçe por completo o apetite.

Não houve preguiça que resistisse. As gargalhadas tomaram conta do recinto. Era o inusitado se fazendo presente. Mas dele sempre algo era esperado.

Outra feita. Conversava ele com uma tia, que habitualmente ao falar ao telefone, se distraia enrolando o fio do aparelho com os dedos.

Ele em São Paulo, ela em Santos.
Conversaram ao longo de algum tempo, e ao ver que a conversa ia se esgotando, do outro lado da linha, Tio Adolfo :
_ Esta ligação está ruim. Não te ouço bem.
_ Pois eu de cá, Adolfo, te ouço perfeitamente.
_ Estás mexendo no fio ?
_ Estou. - responde ela inocentemente.
_ Pois então é isto mulher, larga esse fio que a ligação melhora.

E uma gargalhada ecoa do lado de lá do fone.
E assim era. Sempre uma tirada alegre, de humor sadio.


E o Rogério ???
Rogério é outra figura a compor as lembranças da infância e juventude.

Sapateiro. Uma oficina humilde na Rua Paraguai. Uma rua de três quarteirões no bairro do Gonzaga, em Santos. Não lhe faltavam problemas, a citar dois: um filho excepcional, e outro que morre afogado ao tentar ajudar um colega.

Pois bem. Independentemente de tudo isso, o semblante desse moço sempre tinha um sorriso, uma brincadeira a fazer. Toda vez que um da turma precisava ir ao Rogério, a "patota" toda se deslocava, e não saia antes de uma hora de conversa. Brincava com um, ora com outro. Incentivava a criançada ao estudo.

_ Senão vai ficar assim como eu, batendo prego o dia inteiro.
E um sorriso largo .....

Todas essas lembranças me chamaram algumas reflexões :
_ Por que motivo nos deixamos abater pelas dificuldades da vida ?
_ Por que ainda, outras pessoas, com problemas iguais ou maiores que os nossos, acabam sobrepujando tais problemas e criam em torno de si um clima de bom humor e bem estar?

A alegria deve compor nossa jornada, em que pesem as dificuldades do caminho.
Problemas todos nós temos. O cerne da questão reside na forma de enfrentá-los. Na força interior que construímos para isso.

Em conversa com um amigo, Jací, ele usou a expressão "descoberta do Espiritismo"; que voltou a usar numa palestra de quarta-feira feita no Centro Espírita.

Parece-me, com relação ao Espiritismo, que apesar de conhecê-lo racionalmente; não conseguimos ainda a sua descoberta no âmbito emocional, vivencial. Não tivemos, como disse o orador, o "insigth" dos seus conceitos. Essa coisa maior, que amplia horizontes, nos permitindo viver mais integralmente, estando a maior parte do tempo de bem com a vida.

Muitas pessoas, não espíritas, vivem de bem com a vida.
Nós, de posse de tantas idéias renovadoras; quebrando a estreita relação berço/túmulo; com a certeza da imortalidade; e desse salutar intercâmbio com os espíritos. Em muitas vezes, em muitos períodos de nossas vidas; parece que nada disso sabemos. Agimos como que atados aos estreitos limites de uma única existência. Não nos permitindo desfrutar plenamente os valores que embalam nossa racionalidade.

A alegria de sermos espíritas? Não desfrutamos.
A presença dos amigos e familiares, encarnados e desencarnados? Não valorizamos; e, em muitos casos, sequer percebemos.

Até quando perdurará nossa imaturidade ou ilusão ?

A busca do homem, desde os mais remotos tempos é a busca da felicidade.
Será que o fato de a colocarmos exteriormente a nós, não é um impeditivo para chegarmos até ela ?
Não estaria esta felicidade mais dentro de nós que fora?

Encontramos espíritas e não espíritas dotados dessa alegria. Dessa atitude vivencial positiva.

A nós espíritas, foram deixados dados, revelações e tantas informações. Precisamos trabalhar isto. Elaborar isto, no sentido de colocarmos um leme em nosso barco existencial. E, com o livre-arbítrio que conquistamos, rumarmos para a alegria de viver, sem o qual todo conhecimento é vão.

Paulo Cesar Fernandes. Jornalista.

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