terça-feira, 31 de julho de 2012

Labirintos da Moral

Labirintos da moral
Fragmento do dialogo entre Mário Sergio Cortella (PUC-SP) e Yves de LaTaille (USP-SP).

Mário Sergio Cortella - Filósofo, teólogo e discípulo de Paulo Freire aprendeu direitinho as lições.
Yves de LaTaille - Professor do IP - Instituto de Psicologia da USP
Ambos, por sua simplicidade nos trazem lições de vida no contato pessoal.
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MS
E, como voce colocou, de fato, a temática dos valores aparece mais como queixa do que como convicção. Por vezes, é uma lamúria: "Essa juventude está perdida". Alias alguns dizem:
"O mundo está perdido". Costumo brincar dizendo que quem repete muito isso começa a se perder no mundo. Afinal "perde-se" aquele que não compreende o que está acontecendo ao seu redor.

Yves (falando sobre a escola e o suicidio
É fundamental tocar na questão existencial. Voce lembra bem o livro de Durkheim, em que ele coloca claramente: não é a miséria que leva ao suicidio, não são nem o alcoolismo nem a aflição, é sentir-se fora do mundo, sentir-se num mundo "desencantado" - para usar uma expressão de Weber - sem sentido.
As virtudes fazem parte de uma leitura ética do caráter, ou seja, de uma leitura não psicológica, que dá um sentido valorativo à questão da personalidade. Pode-se notar também uma volta do tema da "felicidade", do bem viver - tipico da Grécia Antiga.


MS
Mas o que se ve hoje? Há uma fratura muito fortedo tema da felicidade no nossoo cotidiano, pois não existe "felicidade individual". A felicidade é como a liberdade: a minha liberdade não acaba quando começa a do outro; acaba quando acaba a do outro.
Se algum ser humano não for livre, ninguém é livre. se alguém não for livre do descaso do abandono ninguém é livre. Assim também se alguém não for livre da discriminação, ninguém é. Portanto, tanto a noção de felicidade, quanto a de liberdade são universais. Éaí que elas se aproximam da éticano campo da própria universalidade.

Yves (falando de religião
E outra coisa que tambémme chama a atenção - embora seja até contraditório com a idéia de religião - é que muitas vezes, as buscas de sentido guardam uma característica do nosso modo de vida atual, ou seja, do individualismo.
Mas qual o preço ético do individualismo? É a idéia cosmopolita: "Então eu não sou mais da familia x, do pais y, do grupo tal, mas sou cidadão do mundo". No sec XVIII, isso era muito claro: para ser cidadão do mundo, eu preciso enxergar alguma coisa de comum neste mundo... Acho que as utopias permitiam essa identificação. Hoje não existe mais isso. Então o individualismo prevalece;...


MS (acerca da tolerância
Exato. Eu o suporto, aguento. Voce não é como eu, aceito isso, mas continuo sendo eu mesmo. Não quero ter contato, só respeito a sua individualidade. Em vez de utilizar a palavra "tolerância", tenho preferido uma outra: "acolhimento". Há uma diferença entre tolerar que voce não tenha as mesmas convicções que eu - sejam religiosas, politicas ou outras - e acolher suas convicções. Porque acolher significa que o recebo na qualidade de alguém como eu.
Voce citou Camus antes, e me lembrei agora do livro O estrangeiro. Embora Camus trate do tema do próprio sentido da existência- ou do não-sentido - acho o titulo especial, porque O estrangeiro lembra alteridade. Um dos temas que a escola precisa trazer cada vez mais para o cotidiano dos alunos é a visão de alteridade: olhar o outro como outro e não como estranho.


Yves
Portanto como um "nós".


MS Exato. Como um "nós", como nosotros. Afinal de contas quem é o outro de nós mesmos? O mesmo que nós somos para os outros, ou seja, outros e não estranhos.
Acho que temos familias que já foram comunidades e uma parte delas já se tornou mero agrupamento. Tanto que as pessoas não se encontram. Elas são alheias umas às outrasdentro da estrutura. Há comunidades escolares que não são mais comunidades, são agrupamentos escolares. Ora, a questão central da ética é a formação de comunidades e não de agrupamentos.


Yves (falando da responsabilidade de pai
Participei do movimento etudantil aqui do Brasil, na década de 70, e até hoje existe essa idéia de o fato de termos sido contra a ditadura - que claro é muito positivo - bastava para nosconferir uma perfeiçpão individual. Como o individuo não estava em foco naquele momento, talvez nós tenhamos sido ( não todos evidentemente) desleixados na educação de nossos filhos, porque, na verdade, ser pai é cuidar de indivíduos. Acho que falhamos na articulação entre o coletivo e o individual. Mas naturalmente não é só isso. Há vários outros fatores que contribuiram para que chegássemos à realidade atual.


MS
Paulo Freire conferiu um sentido novo à palavra esperança, lição que a gente deve repetir sempre. Ele dizia que era precisoo ter esperança, mas esperança do verbo esperançar. Porque a esperança que vem de "esperar" é pura espera, ao passo que quando proveniente de esperançar significaria se unir e ir atrás, não desistir.

Yves
É agir.

MS
Esperançar é uma idéia muito forte, porque coloca a pessoa na condiçãode agente.
Após tratarem das dificuldades de construir uma carreira na Universidade por 25 anos vem a questão do mérito.


Yves
Mérito como privilégio é similar ao tema da honra. Há dois tipos de honra: a honra-precedencia e a honra=-virtude. A honra-precedencia se caracteriza por alguém exigir deferencia - por exemplo, por ser nobre. Nesse caso trata-se de um privilégio. Já a honra-virtude é a proveniente das habilidades pessoais. Aí sim, há mérito.


MS (sobre o ócio
Porque também nós docentes, em várias situações, consideramos tedioso ensinar. Há um descompasso que deve ser superado, porque do tédio pode-se chegar à rejeição do outro, que passa a ser visto como responsável pelo nosso tédio. Como nossos filhos nos dizem (ou nós, quando crianças, diziamos para nossos pais): "Puxa, não tem nada para fazer nesta casa!?!". Como se alguém tivesse que nos oferecer o que fazer e nós não tivessemos que inventar por mérito próprio...
Acho que a honra como valor, retomando o tema, é a capacidade de inventar um uso do tempo e, portanto, ser o senhor de sua vida e não só o Senhor dos anéis.


Yves
Um mundo em que se enfraquecem as noções de mérito, de auto-respeito e de honra. Faz-se de tudo para ser uma pessoa conhecida. E essa busca de glória, de visibilidade é uma das características da sociedade atual. A ponto de, para tanto, fazerem-se concessões - como por exemplo, se pode ver no programa Big Brother. Aliás, que nome, não é? Estado totalitário, do dinheiro, da fama...
Depois de falar sobre Educação Moral e Cívica


Yves
Sem dúvida. A escola precisa urgentemente assumir sua tarefa, pois é a única instituição que ainda tem legitimidade social para tanto, a única que, no fundo, diz respeito a todo mundo, visto que, em algum momento da vida, todo mundo é aluno ou professor, pai ou irmão de aluno...Ou seja, a escola ocupa um lugar central na sociedade, embora me pareça que ela tem abdicado de seu caráter de liderança.

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