sábado, 31 de maio de 2014

20140531 Fichamento CC HPires O Ser e a Serenidade (Questões de terminologia

Fichamento
José Herculano Pires

O Ser e a Serenidade
 
 
 

Questões de terminologia


 
A linguagem filosófica, à semelhança da científica e da poética, exige a utilização, e às vezes a criação de termos especiais, para a tradução exata do pensamento. Assim, parece às vezes difícil, pedante ou rebarbativa.

 

Penso que aqui o professor amaciou a questão atribuindo à linguagem as dificuldades no enfrentamento do texto. Sem dúvida a terminologia é importante, mas o conteúdo me parece mais distante do nosso dia a dia; das nossas naturais reflexões.

Com um pouco de persistência trilhamos os raciocínios de Herculano Pires.

 

Os conceitos científicos e filosóficos não tem a carga psíquica da tradição oral comum. São formulações novas do pensamento, que exigem formas novas de tradução oral e escrita, para a clareza de sua compreensão, pelo menos a clareza possível. Não é por esnobismo ou por querer fingir profundidade que o cientista e o filósofo empregam aquilo que, pejorativamente, costuma-se chamar o seu jargão. É por necessidade.

 

A terminologia é parte integrante do método, quando não se arvora, como muitas vezes acontece na filosofia, no próprio método. Neste livro, isto não aconteceu. Mas o leitor verá que a terminologia se apresenta como instrumento metodológico fundamental. Sem ela, seria difícil ao autor colocar numerosos problemas mentalmente percebidos. Por isso, pareceu-nos importante a colocação prévia destas questões terminológicas. Para bem penetrar nas reflexões que se seguem, percebendo-lhe as conotações essenciais, o leitor deve ter primeiramente assimilado o sentido específico dos termos utilizados ou criados no processo de reflexão. É evidente que ninguém pode querer, numa reflexão filosófica, a facilidade de uma conversa banal. Se o leitor deseja comungar com a problemática filosófica do nosso tempo, não pode querer furtar-se às questões da terminologia, implicadas inevitavelmente no processo geral do pensamento atual. Da mesma maneira, o autor não poderia pretender enfrentar aquela problemática, sem a utilização do instrumental de expressão adequado.
 

É por necessidade. Diz o professor, justificando-se dos termos a ser por ele criados para a melhor expressão do seu pensamento. E veremos todos, os caminhantes desta estrada de autodescoberta, o acerto das colocações prévias e avisos dados.

Termos fora de nosso vocabulário deverão ser incorporados de forma gradual e constante, pois estarão presentes até os últimos capítulos do livro.

 

Se os termos tradicionais estão carregados da vivência milenar ou secular, os termos específicos da técnica filosófica, e os criados pelas exigências do assunto (ou pelo menos adaptados) não estão vazios. A sua carga é de natureza dupla: a da percepção de uma realidade nova e a da emoção da busca para expressá-la. Essa carga deflagra naturalmente no espírito do leitor que estiver de fato sintonizado com o desenrolar da reflexão. Mas esse deflagrar pode ser auxiliado, particularmente no leitor pouco afeito às leituras filosóficas, por uma apreciação antecipada do esquema terminológico.
 

Aqui temos um chamar a atenção do leitor para a importância do seu envolvimento com o texto. Pois a emoção dele autor ao encontrar o termo certo, seguramente chegará ao leitor através da alegria de uma nova descoberta.

Diz aos leitores não habituados à filosofia: “Ei! Este texto é para ti também. Basta que atentes com cuidado às questões da terminologia”.

 

Primeiramente temos a ipseidade, expressão técnica amplamente conhecida, que se torna o eixo da nossa reflexão ontológica[1]. Criada por Duns Scot, que se apoia em Aristóteles, essa expressão significa a individualização ou a condição da individualidade como tal. Não pode ser substituída por individualidade, porque exprime antes a condição abstrata da individualidade, o quid desta e não ela própria. Em nossa reflexão, a ipseidade aparece como uma espiral que se abre no ectipo e sobe em direção ao arctipo. Temos assim mais dois termos, que completam o esquema essencial do Ser.  Todo o processo ontológico se resume nesse esquema. O ectipo tem aqui o sentido berkeleyano: é a natureza primária da individualidade, essa espécie de casulo psíquico em que o indivíduo se fecha no processo de relação, pela necessidade mesma de ser o que é, de permanecer em si, isolado do contexto social e do próprio contexto natural. O arctipo, pelo contrário, é a forma individual da comunhão, o momento em que a espiral da ipseidade atinge literalmente o seu apogeu, afastando-se das exigências egocêntricas da existência terrena, para abrir-se no cosmo, ou seja, na vida universal.

 
O termo ipseidade pode ser amplamente conhecido no universo cultural da psicologia, ou mesmo da filosofia do sujeito, mas é descoberta para nós, simples mortais vinculados a outras tantas áreas do saber.

Neste trabalho a ontologia, o ontológico evidentemente trata do Ser, alma, espírito. Mas a ontologia pode também tratar das coisas do mundo material: mesa, cadeira, etc. A fenomenologia de Edmund Husserl trata da relação dos seres com as coisas.

Mas coube a Martin Heidegger  fazer a crítica, na modernidade; da entificação do mundo, ou coisificação do mundo. Através da técnica o Ser estava sendo esquecido, o foco maior estava nos Entes.  Uma verdade incontestável no momento em que, poucos anos fazem, deixei de ser o Paulo, Analista de Sistemas, para ser um “recurso” encaminhado a uma entrevista numa nova empresa de terceirização. Da modernidade para nosso momento de Pós-Modernidade ou Modernidade Tardia esse fenômeno atingiu marcas impressionantes, quando o próprio ser se prefere como uma mercadoria, de maior ou menor valor no mercado de trabalho. Mas esse é um outro debate. Guardemos apenas esta divisão Ser versus Ente.

Nessa espiral da ipseidade o ser ectípico parte de um guardar-se, fechar-se em si para processualmente ir se abrindo na direção do ser arctípico na relação humana do estar aí terreno inicialmente, transitando para o universal. Para uma relação mais ampla com as coisas e os seres de todo(s) o(s) universo(s). Podemos chamar a isto de plenitude. Creio eu.


Arctipo não deve, pois, ser confundido, de maneira alguma, como arquétipo. Trata-se de um sistema de polaridade. A ipseidade é bipolar, tendo na base do seu desenvolvimento o processo ectípico e no ápice o processo arctípico. O ectipo não é o indivíduo humano, mas o torvelinho da precipitação, que caracteriza esse indivíduo, em sua posição na ipseidade.

 
À polaridade do ectipo e do arctipo corresponde outra, que é a da ecstase e da arcstase. São situações correspondentes à dinâmica da ipseidade, às variações de posição do Ser, sendo a ecstase a permanência numa posição ectípica e a arcstase a permanência numa posição arctípica. Essas duas posições, entretanto, não representam separação ou desligamento do Ser de sua situação vivencial. O ectipo tem a sua arcstase, como o arctipo sua ecstase. Ambos estão sujeitos à polaridade situacional, que é sempre relativa, não implicando a passagem do Ser de um processo ipseidal para outro. Com esses dois termos, completa-se o esquema terminológico da ipseidade, que graficamente podemos representar da seguinte maneira:

 

 


Resta-nos ainda considerar a proposição do termo interexistencial, para a colocação da problemática existencial numa perspectiva filosófica mais adequada à situação epistemológica atual. O desenvolvimento das ciências, como já acentuamos, não nos permite mais a aceitação pacífica da conceituação da existência como uma simples projeção do Ser entre o nascimento e a morte, determinada pela facticidade e a afetividade, essas duas pontas da tenaz existencial que esmagam a concepção atual do homem. Considerando, por exemplo, o problema das regiões ontológicas, na moderna ontologia do objeto, poderíamos adotar um termo diferente, como pluriexistencial, que correspondesse à ideia da multiplicidade das existências. (...) Em qualquer plano que as examinemos, porém, o que importa é o processo das relações interexistenciais.
 

Fazemos uma trajetória do ectipo para o arctipo. Não é casual o fato de o ectipo estar colocado na parte inferior do gráfico. Há um processo ascensional; ou, melhor dizendo, de superioridade do arctípico sobre o ectípico.

Sendo o ectipo, o torvelinho a qual todos estamos sujeitos, apenas estaremos em condições da serenidade na medida em que nos apartemos desse torvelinho. Significando isto, o ajuste do homem à sua postura vivencial. Podemos viver mergulhados nesse torvelinho, sem querer dele nos afastar, por motivações individuais. E a ninguém é dado o direito de julgamento. Se o espírito é Livre. É Livre e ponto final. Não havendo julgamento possível.

No CatoEspíritismo pode vicejar o julgamento. Mas sendo o espiritismo libertador e libertário, no sentido mais amplo do termo, fica eliminado de vez qualquer juízo de valor sobre o procedimento do outro. Qualquer procedimento. Afinal. Como disse o filósofo Gilberto Gil em sua música “Aquele abraço”: “Meus caminhos pelo mundo eu mesmo faço”.

 A polaridade referida pelo professor é a polaridade natural de toda nossa existência, também presente em cada uma das nossas vivências (encarnações); inclusive tendo alternâncias dentro de uma mesma encarnação.

 

Be era uma companheira de trabalho muito querida por mime com a qual tínhamos algumas conversas muito interessantes. Um dia Be me vem com esta pergunta:

_ PC por que motivo nós não somos assim? – desenhando no ar uma linha reta no ar.

Ao meu sorriso ela complementou:

_ Eu sou sempre assim! – desenhando uma curva ondulatória, plena de altos e baixos.

_ Porque ser assim – desenho a mesma curva ondulatória – é ser humano. Ou achas que alguém é uma linha reta todo o tempo?
 

A arcstase proposta no texto não é a linha reta que tanto a Be gostaria de ter em sua vida, mas trará uma maior estabilidade ao homem em sua jornada.

E esta não se fará fora do mundo, mas dentro da mundanidade ao qual somos arrojados desde nossa criação. “O Ser é arrojado no mundo.” disse Heidegger. E não consigo negar essa afirmativa, pois mesmo quando temos o aporte tão valioso de amigos espirituais, os quais nos amparam, ajudam, e até intuem; ao fim e ao cabo somos solitários em cada uma das nossas decisões.

IPSEIDADE é o pensar abstrato da nossa individualidade. Por ser uma abstração somos capazes de pensar uma espiral para essa ipseidade com a qual o ser tem vínculos. Enquanto a individualidade vive na concretude, a ipseidade é como um holograma dessa mesma individualidade. Certo ou errado assim a senti.

Uma coisa importante: temos uma única ipseidade. O fato de termos uma individualidade nos obriga a única ipseidade. Lógica pura.

Por que razão interexistencialidade?

Neste ponto eu ouso divergir do Professor Herculano Pires. Pois para Herculano, Heidegger, Sarte, Marcel e outros filósofos uma encarnação é uma existência. Para mim uma encarnação é apenas uma vivência, ou vida. Como expus na introdução, tem duas limitantes: o berço e o túmulo.

Assim sendo, o que ocorre?

O Ser, ou espírito é uma entidade viajora, se vai completando, complementando no próprio transcurso da viagem, e nunca deixa bagagem alguma acumulada para traz. As aquisições de uma vivência, vida, encarnação são patrimônios consolidados do Ser. Um Ser que busca não apenas a serenidade, mas a sabedoria tratada na introdução deste trabalho.

 



Ontologia significa “estudo do ser”. A palavra é formada através dos termos gregos “ontos” (ser) e “logos” (estudo, discurso). Consiste em uma parte da filosofia que estuda a natureza do ser, a existência e a realidade, procurando determinar as categorias fundamentais e as relações do “ser enquanto ser”.
Engloba algumas questões abstratas como a existência de determinadas entidades, o que se pode dizer que existe, qual o significado do ser, etc.
Os filósofos da Grécia Antiga Platão e Aristóteles estudaram o conceito que muitas vezes se confunde com metafísica. Na verdade, a ontologia é um aspecto da metafísica que procura categorizar o que é essencial e fundamental em determinada entidade.
Este termo foi popularizado graças ao filósofo alemão Christian Wolff, que definiu a ontologia como philosophia prima (filosofia primeira) ou ciência do ser enquanto ser. Assim, esta ciência tinha um caráter racional e dedutivo, que tinha como objetivo estudar os traços mais gerais do ser.
No século XIX, a ontologia foi transformada por neoescolásticos na primeira ciência racional que abordava os gêneros supremos do ser. A corrente filosófica conhecida como idealismo alemão, de Hegel, partiu da ideia de autoconsciência para recuperar a ontologia como "lógica do ser".
 
 
 
 
Paulo Cesar Fernandes
 
31 05 2014

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