domingo, 3 de novembro de 2013

20131103 Lucien Lévy-Bruhl e Herculano Pires

Lucien Lévy-Bruhl e Herculano Pires



Lucien Lévy-Bruhl (1931)

"O sobrenatural e a natureza na mentalidade primitiva."


Introdução

A Categoria afetiva do sobrenatural

A investigação geral que tentaremos fará necessariamente abstração da diferença de detalhes observados entre as sociedades primitivas, mesmo entre as mais próximas entre si, e as similaridades encontradas entre elas. Numa região restrita, dentro de uma ilha, as crenças, as práticas, as cerimônias variam mais ou menos como os
dialetos, de tribo para tribo. E mesmo, por menos numeroso que seja um grupo, os indivíduos revelam diversidade de temperamentos e de caracteres. E podemos encontrar, como entre nós, naturezas mais críticas, menos dóceis ou conformistas que outras menos respeitosas das tradições, havendo mesmo, em certos casos ceticismo e incredulidade.


É um fato incontestavel. Mas ele se encaixa com outro de não menor valor: a existência, dentro dessas sociedades, de práticas e crenças universalmente aceitas. As duas visões podem legitimamente se tornar objeto de um estudo científico. Não podemos desprezar o aumento quase infinito das representações e práticas relativas às potências invisíveis buscando estabelecer os caracteres comuns, e tentar mostrar como se estruturam as atityudes próprias das mentalidades primitivas. Na medida em que avancemos atingiremos um duplo alvo. Nos daremos conta de muitas dessas representações e dessas práticas, senão em todos os seus detalhes, ao menos do essencial, assim, nossa análise da mentalidade primitiva atingirá uma nova confirmação.


===

José Herculano Pires

O espírito e o tempo


Primeira Parte – Fase Pré-Histórica

1. Horizonte tribal e mediunismo primitivo



1. MEDIUNISMO E ESPIRITISMO.

As ciências sociais têm uma grande contribuição a dar ao estudo do Espiritismo. Quem viu isso com mais clareza, segundo nos parece, foi Ernesto Bozzano. O grande discípulo italiano de Herbert Spencer, profundamente ligado ao desenvolvimento dos estudos sociológicos, uma vez atraído para o campo dos estudos espíritas, soube aplicar a êste o conhecimento adquirido em outros campos. Seus trabalhos sôbre as manifestações supranormais entre os povos selvagens, publicados na revista milanesa “Luce e Ombra”, em 1926, posteriormente reunidos no livro “Popoli Primitivi e Manifestazioni Supernormali”, representam uma das mais poderosas contribuições para o esclarecimento histórico do problema espírita.


2. Kardec já havia esclarecido que os fatos espíritas são de todos os tempos, uma vez que a mediunidade é uma condição natural da espécie humana. Mas é com Bozzano que temos a primeira penetração espírita no exame antropológico e sociológico do homem primitivo, revelando-nos, com base em investigações científicas, as formas pré-históricas do fenômeno mediúnico. Aliás, os estudos de Bozzano levam-nos mais longe, pois revelam também as origens mediúnicas da religião. Temos assim uma teoria espírita da gênese da crença na sobrevivência, que se apresenta como uma síntese das teorias opostas da teologia e da sociologia.
Para maior clareza do nosso estudo, servimo-nos do esquema que nos fornece o chamado “método cultural”, dos antropólogos inglêses, aplicado por John Murphy, com pleno êxito, em seus estudos sôbre as origens e a história das religiões. Método usado na antropologia cultural e no estudo das religiões comparadas, aplica-se perfeitamente às necessidades de clareza do nosso estudo. Seu esquema é constituído pelos “horizontes culturais”, dentro dos quais o desenvolvimento humano pode ser analisado na amplitude de cada uma das suas fases. Ë evidente que não vamos muito além do esquema.


Nosso intuito não é o estudo antropológico, nem o das religiões comparadas, mas apenas o esclarecimento do problema espírita.
Os “horizontes culturais” são os meios em que se desenvolveram as diferentes fases da evolução humana. A expressão é metafórica. Chama-se, por exemplo, “horizonte primitivo”, o mundo do homem primitivo. A palavra “horizonte” mostra que devemos encarar êsse homem dentro dos limites da nossa visão, de tôdas as condições do
meio físico e social em que êle vivia, na paisagem cultural fechada pelos horizontes do mundo primitivo. Podemos assim examinar cada fase em seu meio, cada homem em seu mundo, compreendendo-os melhor. O estudo de Bozzano, embora anterior a êsse método, integra-se nêle.


O “horizonte primitivo” é geralmente dividido em três formas: o primitivo propriamente dito, o anímico e o agrícola. Em nosso esquema, reduzimos as duas primeiras formas a uma única: o “horizonte tribal”, que nos permite abranger numa visão geral o problema mediúnico do homem primitivo, e destacamos a terceira forma, dando-lhe autonomia. Isso porque o “horizonte agrícola” tem interêsse especial no tocante à mediunidade. Assim, nosso esquema da fase pré-histórica do Espiritismo é o seguinte:
horizonte tribal, agrícola, civilizado, profético e espiritual. Até o “horizonte profético”, segundo Murphy. O “horizonte espiritual” é uma formulação nova, exigida pelo Espiritismo.


O horizonte tribal caracteriza-se pelo mediunismo primitivo.

Adotamos a palavra “mediunismo”, criada por Emmanuel para designar a mediunidade em sua expressão natural, pois é evidente que ela corresponde com precisão ao nosso objetivo. Mediunismo são as práticas empíricas da mediunidade. Dessa maneira, temos as formas sucessivas do mediunismo primitivo, do mediunismo oracular e do mediunismo bíblico, só atingindo a mediunidade positiva no horizonte espiritual, que surge com o Espiritismo.


Somente com o Espiritismo a mediunidade se define como uma condição natural da espécie humana, recebe a designação precisa de “mediunidade” e passa a ser tratada de maneira racional e científica.


Convém deixar bem clara a distinção entre fatos espíritas e doutrina espírita, para compreendermos o que Kardec dizia, ao afirmar que o Espiritismo está presente em tôdas as fases da história humana. Os fatos espíritas — assim chamados os fenômenos ou as manifestações mediúnicas — são de todos os tempos. As práticas mágicas ou religiosas, baseadas nessas manifestações, constituem o Mediunismo, pois são práticas mediúnicas. A doutrina espírita é uma interpretação racional das manifestações mediúnícas. Doutrina ao mesmo tempo científica, filosófica e religiosa, pois nenhum dêsses aspectos pode ser esquecido, quando tratamos de fenômenos que se relacionam com a vida do homem na terra e sua sobrevivência após a morte, sua vida e seu destino espiritual.


É enorme a confusão feita pelos sociólogos neste assunto, seguindo de maneira desprevenida a confusão proposital feita pelos adversários do Espiritismo. Os estudos sociológicos do mediunismo referem-se sempre ao espiritismo. Entretanto, a palavra “Espiritismo”, criada por Allan Kardec, em 1857, e por êle bem explicada na introdução de “O Livro dos Espíritos”, designa uma doutrina por êle elaborada, com base na análise dos fenômenos mediúnicos e graças aos esclarecimentos que os Espíritos lhe forneceram, a respeito dos problemas da vida e da morte. As práticas do chamado “sincretismo religioso afro-brasileiro”, por exemplo, não são espíritas. O sincretismo religioso é um fenômeno sociológico natural. O Espiritismo é uma doutrina.


Defrontamo-nos, neste ponto, com uma complexidade que também tem dado margem a confusões. Os fatos mediúnicos são fatos espíritas, assim chamados pelo próprio Kardec, mas não são Espiritismo. Porque o Espiritismo se serve dos fatos mediúnicos como de uma matéria-prima, para a elaboração de seus princípios, ou como de uma fôrça natural, que aproveita de maneira racional. Exatamente como a hidráulica se serve das quedas dágua ou do curso dos rios para a produção de energia. Esclarecidos êstes pontos, podemos passar à análise dos fenômenos mediúnicos no horizonte tribal.



***


Quem se debruçar sobre as obras do antropólogo e etnólogo Lucien Lévy-Bruhl vai se defrontar com a naturalidade das relações dos povos primitivos com as "potências invisíveis" ou espíritos como os tratamos nós.


Herculano Pires em "O espírito e o tempo" trata da evolução da mediunidade através dos tempos.


No Horiuzonte Primitivo, bem como no Horizonte Agrícola, como denominou Herculano, a mediunidade em seu estado puro; a mediunidade natural se caracteriza nas obras de Bruhl pelo intenso animismo, e por uma relação natural com os desencarnados.


A todas as coisas os povos estudados atribuem uma alma. A árvore, os animais, e evidentemente os seres humanos. Por sua relação sempre presente com as "potências invisíveis" esses povos nada viam de sebrenatural ou estranho nessa relação com os espíritos.


Era de sua história cultural, de sua tradição cultural a relação com seus antepassados. Sempre foi assim, e segue sendo assim até o seu tempo.


Se no transcurso da leitura do livro de Herculano algo mais me tocar eu comparto.


Paulo Cesar Fernandes

03  11  2013


Nota: É sempre um incentivo ver a amplitude cultural de Herculano Pires.

Nenhum comentário: