quinta-feira, 7 de novembro de 2013

20131107 Uma visão cristalina do processo

Uma visão cristalina do processo


A meu juízo "O Espírito e o Tempo" é o melhor livro do Professor Herculano Pires. Apenas comparável ao livro de Darcy Ribeiro "O Processo Civilizatório".


O que me encanta é que são dois grandes pedagogos. Dois grandes homens, cuja maior ambição era o progresso da humanidade, cada um a seu jeito e a seu tempo, mas ambos edificando uma meta comum.


Coloco abaixo a dedicatória do livro para termos claro a afetividade do Professor. Nem todo grande intelectual é frio como o senso comum estabelece.

===

José Herculano Pires
O Espírito e o Tempo



DEDICATÓRIA

À HELENA,
que me fez escrever este livro.


Aos companheiros
URBANO DE ASSIS XAVIER
ANSELMO GOMES
EURIPIDES SOARES DA ROCHA
que empregaram o tempo no estudo destes problemas, e hoje o prosseguem, no fluir da duração.




Capítulo 2

HORIZONTE AGRÍCOLA: ANIMISMO E CULTO DOS ANCESTRAIS


1. RACIONALIZAÇÃO ANÍMICA — Quando estudamos o “horizonte agrícola”, ou seja, o mundo das primeiras formas sedentárias de vida social, vemos o animismo tribal desenvolver-se no plano da racionalização. Estamos naquele momento hegeliano, e por isso mesmo dialético, em que a razão se desenrola no processo histórico, entendido este como o progresso do homem na terra. A domesticação de animais e de plantas, a invenção e o emprego de instrumentos, a criação da riqueza, processam-se de maneira simultânea com o aumento demográfico e o desenvolvimento mental do homem.



É precisamente do desenvolvimento mental que vai surgir uma consequência curiosa: o aprofundamento da crença tribal nos espíritos, num sentido de personalização, envolvendo os aspectos e os elementos da natureza. A experiência concreta, que deu ao homem primitivo o conhecimento da existência dos espíritos, alia-se agora ao uso mais amplo das categorias da razão. As duas formas gerais de racionalização do Universo, que aparecem nesse momento, e que devem constituir a base de todo o processo de racionalização anímica, são a concepção da Terra-Mãe e a do Céu-Pai. Essas formas aparecem bem nítidas no pensamento chinês, que conservou até os nossos dias os elementos característicos do “horizonte agrícola”. O céu é o deus-pai, que fecunda a terra, deusa-mãe.



Em algumas regiões, como podemos ver no estudo da civilização egípcia, há uma inversão de posições: o céu é mãe e a terra é pai. Essa inversão não tem outra significação que a de maior importância da terra ou do céu para a vida das tribos. Quando as inundações do Nilo não dependem das chuvas locais, não parecem provir do céu, mas das próprias entranhas da terra. Esta encarna, então, o poder fecundante, cabendo ao céu, tão-somente, o papel materno de proteger as plantações. Os estudos materialistas confundem o problema da racionalização com o da experiência concreta da sobrevivência. Tomam, pois, a Nuvem por Juno, ao concluírem que o homem primitivo atribui à terra e ao céu uma feição humana, Cinicamente para tornar o mundo exterior acessível à compreensão racional. Os estudos espíritas mostram que há
uma distinção a fazer-se, nesse caso. O processo de racionalização decorre da experiência concreta, e por isso mesmo não pode ser encarado de maneira exclusivamente abstrata.



Procuremos esclarecer isto. De um lado, temos a experiência concreta, constituída pelos contatos do homem com realidades objetivas. De outro lado, temos o processo da racionalização do mundo, ou seja, de enquadramento dos aspectos e dos elementos da natureza nas categorias da razão ou categorias da experiência. Da mesma maneira porque o contato do homem com o espaço físico lhe fornece uma medida para aplicar às coisas exteriores — a categoria espacial, o conceito de espaço — assim também o contato com os fenômenos espirituais lhe fornece uma medida espiritual, que é conceito de espírito. Este conceito é usado no processo de racionalização, como qualquer outro. Mas é absurdo querermos negar os fatos concretos que deram origem à categoria racional, ou querermos atribuir a essa categoria uma origem abstrata, diferente das outras.



Somos levados, assim, a concluir que o animismo do “horizonte agrícola” apresenta três aspectos distintos, quando encarados sob a luz do Espiritismo. Temos primeiramente o aprofundamento do animismo tribal na personalização da natureza, que chamaremos Fetichismo, com os fetiches básicos da Terra-Mãe e do Céu-Pai.
Depois, temos a fusão da experiência e da imaginação, com o desenvolvimento mental do homem, no progresso natural do Mediunismo. Dessa fusão vai nascer a mitologia popular, impregnada de magia. E em terceiro lugar encontramos a primeira forma de religião antropomórfica, consequência da experiência concreta de que fala Bozzano, com o culto dos ancestrais. Deuses-lares, manes e deuses-locais, como os deuses dos “nomos” egípcios, por exemplo, são entidades reais e não formas de
racionalização. Nos deuses dos “nomos” egípcios, ou seja, das regiões do antigo Egito, temos já o momento de transição dos deuses reais para o processo de racionalização.



A transição se efetua por uma maneira bastante conhecida. É um processo de fusão, que encontramos ao longo de todo o desenvolvimento espiritual do homem. O Fetichismo se funde com o Culto dos Ancestrais, através do Mediunismo. Os fetiches, como a terra e o céu, misturam-se aos ancestrais, identificam-se a eles, na
imaginação em desenvolvimento. A mente rudimentar não sabe ainda fazer distinções precisas. Assim, por exemplo, Osíris, que foi um antepassado e como tal recebeu um culto familiar, transforma-se numa personificação da terra, com o seu poder de fecundação, ou no próprio Nilo, cujas águas sustentam a vida. A projeção anímica se realiza, nesse caso, através de uma experiência concreta. A mitologia nasce da história, pois a existência histórica de Osíris é convertida em mito, pela necessidade de racionalização do mundo. Nada melhor que os estudos de “sir” James Frazer sobre o mito de Osiris, para nos mostrar isso.



Kardec esclarece este problema, ao comentar a pergunta 521 de “O Livro dos Espíritos”, afirmando: “Os antigos haviam feito desses Espíritos divindades especiais. As Musas não eram mais do que personificação alegórica dos Espíritos protetores das ciências e das artes, como chamavam pelos nomes de lares e penates os Espíritos
protetores da família. Entre os modernos, as artes, as diferentes indústrias, as cidades, os países, têm também os seus patronos, que não são mais do que os Espíritos Superiores, mas com outros nomes.” Ao fazerem dos Espíritos “divindades especiais”, como assinala Kardec, os antigos procediam à racionalização do mundo, o que não quer dizer que os Espíritos fossem apenas “formas racionais”. Essas formas, pelo contrário, decorriam de fatos concretos, de realidades naturais.



Como vemos, ao tratar do animismo primitivo e seu desenvolvimento no “horizonte agrícola”, não podemos negar a existência real dos espíritos, a pretexto de explicar o mecanismo do processo de racionalização. Este mecanismo torna-se mesmo inexplicável, quando lhe suprimimos a base concreta dos fatos, como dizia Bozzano, na qual se encontram os espíritos comunicantes. Vê-se claramente a distorção da realidade, a guinada do pensamento para os rumos do absurdo, quando os cientistas
materialistas tentam explicar o processo de racionalização, ignorando as experiências mediúnicas do homem primitivo. O Espiritismo restabelece a verdade, ao mostrar a importância do mediunismo no desenvolvimento humano.

===

Enquanto lia este trecho me tocou a emoção, pela clareza e lógica de sua estruturação, porém, mais do que isso por nos mostrar elementos ainda presentes em Povos Originários de nosso continente.


Me causou muito impacto, e muito carinho, ter visto a cerimônia da família de Ricardo Vilca, um músico e Professor Rural da Província de Jujuy na Argentina. Cada membro da família colocava numa cova no chão alguma quantidade de alimento para MamaPancha ou MãeTerra, no intuito que não lhes faltasse alimento no transcurso do ano vindouro.


Ricardo era amado por seu povo e por seus amigos em função de sua bondade. Tenho duas obras musicais de "Ricardo Vilca y sus amigos" algumas vezes usadas para elevar o clima mental/espiritual aqui de casa. A suavidade da música andina, todas as vezes me leva a espaços espírituais que em geral desconheço.


Eu tenho um profundo respeito por todas as práticas de todos os povos e etnias. E acho que houve um massacre cultural, quando espanhóis e portugueses impuseram sua forma de ver aos Povos Originários de nosso continente. Há que lembrar que eles já tinham seus deuses, seus cantos e suas práticas religiosas.


Não consigo concordar com a visão Eurocêntrica de Kardec e seus seguidores. Basta estudar a visão jurídica dos Quechuas e Aymaras para ver onde se situa a verdadeira noção de direito e de justiça.


Não há povos mais civilizados que outros.


Quem te disse que a tecnologia é civilização?


Quem te fez acreditar nessa bobagem?


Civilização é harmonia entre os povos e entre os indivíduos.


Sociedades onde esteja ausente o primado do Amor e da Justiça não podem ser consideradas Sociedades Humanas Civilizadas.


Enquanto a Terra for palco de famintos e de seres em guerra não nos podemos considerar como civilizados.


Martin Heidegger combatia a técnica, pois a técnica distanciava o homem do Ser que era. Lutou pelo primado do Ser.


Vivesse hoje estaria em combate contra o "consumismo" e o "primado das celebridades vazias de conteúdo".


Me cite nas "Observações" algum verdadeiro intelectual, algum valoroso cientista que seja celebridade. Festejado pelos Meios de comunicação de Massas. Eu desconheço.


Uma outra lógica social é possível e necessária. Luto por ela, eu admito. Mas não estou só nesta luta. Pensadores e artistas de muitos outros países, e mesmo do Brasil tem a mesma proposta.


Somos todos criados para a Liberdade, o Bem, a Felicidade e para o Amor. Tudo fora disto é ilusão passageira, como um amor de carnaval.



Paulo Cesar Fernandes

07  11  2013

Nenhum comentário: