terça-feira, 23 de abril de 2013

20130423 Eurocentrismo é preconceito

Me aborreceu a leitura desse trecho de "O que é o espiritismo" de Allan Kardec.
Leia com senso crítico e depois conversamos:


TERCEIRO DIÁLOGO  -  O PADRE

Padre. — Concordo que, nas questões gerais, o Espiritismo é conforme às grandes verdades do Cristianismo; dar-se-á, porém, o mesmo em relação aos dogmas?

Não contradiz ele alguns princípios que a Igreja nos ensina?


A. K. — O Espiritismo é, antes de tudo, uma ciência, não cogita de questões dogmáticas. Esta ciência tem conseqüências morais como todas as ciências filosóficas; essas conseqüências são boas ou más?

Ele repousa, por conseguinte, em princípios independentes das questões dogmáticas. Suas conseqüências morais são todas no sentido do Cristianismo, porque de todas as doutrinas é esta a mais esclarecida e pura; razão pela qual, de todas as seitas religiosas do mundo, os cristãos são os mais aptos para compreendê-lo em
sua verdadeira essência. (Grifo meu)
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Quem disse pro Kardec que o Cristianismo é a forma mais esclarecida e pura de todas as doutrinas?

Apenas o seu preconceito e seu Eurocentrismo.


Ninguém nega que a Europa deu sua contribuição ao mundo. Mas achar que apenas dela sai a Civilização e o Progresso é de uma pequenez de alma só condizente com os tempos de pretenso Iluminismo em que viviam Kardec, Rousseau, Descartes, Kant, Hegel e toda a geração de espíritos construtores da obra de Kardec.


O que prova o acerto desses espíritos, quando dizem que a morte não alija o espírito de seus defeitos. Inclusive os desvios de pensamento, as visões preconceituosas de toda uma época.


Com base na ideologia da Europa como a Civilização, e as Américas como a Barbárie, os europeus dizimaram os Povos Originários do nosso continente, e saquearam sem medo todas as riquezas possíveis.


Onde estava a Barbárie?


Basta estudar o processo de dominação da Argélia pela França. A mortandade que isso representou. A dor, tanto para os árabes ali presentes, como para os próprios franceses como Jean Paul Sartre que se engajaram nas lutas de Libertação da Argélia.


Ainda hoje, a Europa e os Estados Unidos se postam no mundo como a Civilização. Iludidos, isso sim. Quem promove e patrocina guerras não pode se ter por civilizado. É primitivo e brutal.


Que eles pensem o que pensem não nos importa.


Mas é imperioso que não venhamos nós a pensar pela cabeça deles. Se fazer Colonia. Se subjugar intelectualmente.


Muito menos nós, espiritas minimamente cultos, capazes de compreender o valor de cada cultura no progresso geral das civilizações.


Para ter uma idéia, as civilizações situadas no atual México e América Central, eram milenarmente mais antigas, e muito mais avançadas que o existente na Europa na época dos "descobrimentos", me pauto nos informes do Prof. Dr. Enrique Dussel da UNAM (Universidade Nacional Autonoma do México).


Espíritas. Precisamos nos livrar da letra que mata, e nos abrir a esse florescente mundo onde outras correlações de forças se iniciam.


Não precisamos carregar bandeiras, bem como não devemos nos ater às portas (e mentes) fechadas das atividades das instituições.


O movimento espírita sempre foi politicamente reacionário. Vivi isto na pele dentro do Centro Espirita Allan Kardec quando me filiei ao Partido dos Trabalhadores. Vários companheiros que eu respeitava, cujos nomes não cabem neste momento, me cobraram a decisão. Eu apenas sorria, tinha certeza do Socialismo que o PT e
eu defendiamos. Mal sabia eu que o PT se tornaria esse nada ideológico. Esse antro de oportunistas e desonestos. Sei o que falo pois vi e vivi a mudança ocorrida entre 1981 (ano em que entrei) e 1991 (ano em que saí). E muito mais eu vi, como funcionário da Prefeitura de Santo André.


Voltando a Kardec, que esse sempre foi digno.


Devemos fazer sua leitura dentro de uma perspectiva atual. Culturalmente renovada pelas contribuições vindas dos mais distintos recantos do nosso planeta. A literatura africana, a centroamericana, a renovada música dos nossos povos originários, etc.


Fazer o contraponto do essencial em Kardec com as contribuições das civilizações milenares restantes nos Andes, e em diversos pontos de Nossa América Espanhola.


Sem esse encontro de culturas, o espiritismo será apenas uma forma de pensar pregada num tempo (o tempo de Kardec), incapaz de renovar-se através de uma mirada histórica mais ampla, perdendo a possibilidade de tornar-se alternativa libertadora das mentalidades.


A essência do espiritismo é libertadora, mas apenas para seus estudantes habituais, estudantes com a mente aberta ao mundo que os cerca.


O medo de inserção social, fará do espiritismo uma espécie de seita, com ramificações mundiais, mas uma seita como tantas outras que por aí andam. Terá belos congressos mundiais, cheios de afetividade. O que é ótimo. Mas nunca terá o respeito social sonhado por Allan Kardec ao escrever as suas obras.


Pensemos nisso!



Paulo Cesar Fernandes

23  04  2013


Nota: Temos aqui apenas uma opinião. Não a tomem por verdade. Apenas um mote de discussão. Um elemento, uma contribuição de alguém que olha de fora. Um não afetivamente ligado ao movimento espirita de qualquer coloração. Um pensador livre de tudo e de todos. Mas visando sempre contribuir positivamente para o fortalecimento de uma ideia que compartilho.

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