terça-feira, 17 de novembro de 2015

20151117 Deuses arquetípicos e o homem

Deuses arquetípicos e o homem

Carl Gustav Jung

em

Psicologia do Inconsciente




Neste trecho Jung nos fala de imagens de nossa ancestralidade mais remota no tempo e no espaço (Inconsciente Coletivo).
Nos fala de Deus tal como o conhecemos e como o vemos; mas fala ainda dos deuses arquetípicos e de sua universalidade em todas as regiões do globo.
As mesmas imagens se apresentam, com variações regionais, mas na sua essência e a mesma imagem e possuidora das mesmas funções.

Vamos ao Mestre:


Após este comentário sobre a formação de novas idéias a partir do tesouro das imagens primordiais, voltemos ao processo da transferência.


Vimos que a libido captou seu novo objeto justamente nas fantasias extravagantes e aparentemente sem nexo, a saber: os conteúdos do inconsciente coletivo. 


Como já dizia, a projeção das imagens primordiais no médico é um perigo que não pode ser subestimado no prosseguimento do tratamento. Essas imagens contêm não só o que há de mais belo e grandioso no pensamento e sentimento humanos, mas também as piores infâmias e os atos mais diabólicos que a humanidade foi capaz de cometer. Graças à sua energia específica (pois comportam-se como centros autônomos carregados de energia), exercem um efeito fascinante e comovente sobre o consciente e, conseqüentemente, podem provocar grandes alterações no sujeito. 


Isso é constatado nas conversões religiosas, em influências por sugestão e, muito especialmente, na eclosão de certas formas de esquizofrenia. Se o paciente não conseguir distinguir a personalidade do médico dessas projeções, perdem-se todas as possibilidades de entendimento e a relação humana torna-se impossível. 


Se o paciente evitar este perigo mas cair na introjeção dessas imagens, isto é, se atribuir essas qualidades não mais ao médico mas a si mesmo, corre um perigo tão grave quanto o anterior. 


Na projeção ele oscila entre um endeusamento doentio e exagerado e um desprezo carregado de ódio em relação ao médico. 


Na introjeção passa de um autoendeusamento ridículo para uma autodilaceração moral. 


O erro cometido em ambos os casos consiste em atribuir os conteúdos do inconsciente coletivo a uma determinada pessoa. Assim, ele próprio, ou a outra pessoa, se transforma em deus ou no diabo. Esta é a manifestação característica do arquétipos uma espécie de força primordial se apodera da psique e a impele a transpor os limites do humano, dando origem aos excessos, à presunção (inflação!), à compulsão, à ilusão ou à comoção, tanto no bem como no mal.


Aí está a razão por que os homens sempre precisaram dos demônios e nunca puderam prescindir dos deuses. Todos os homens, exceto alguns espécimes recentes do "homo occidentalis", particularmente dotados de inteligência, super-homens cujo "Deus está morto" - razão por que eles mesmos se transformam em deuses, isto é deuses enlatados, com crânios de paredes espessas e coração frio. O conceito de Deus é simplesmente uma função psicológica necessária, de natureza irracional, que absolutamente nada tem de ver com a questão da existência de Deus. 


O intelecto humano jamais encontrará uma resposta para esta questão. Muito menos pode haver qualquer prova da existência de Deus, o que, aliás, é supérfluo. 


A idéia de um ser todo-poderoso, divino, existe em toda parte. Quando não é consciente, é inconsciente, porque seu fundamento é arquetípico. Há alguma coisa em nossa alma que tem um poder superior — não sendo um deus conscientemente, então é pelo menos "o estômago", no dizer de Paulo. 


Por isso, acho mais sábio reconhecer conscientemente a idéia de Deus; caso contrário, outra coisa fica em seu lugar, em geral uma coisa sem importância ou uma asneira qualquer — invenções de consciências "esclarecidas". 


Nosso intelecto sabe perfeitamente que não tem capacidade para pensar Deus e muito menos para imaginar que ele existe realmente e como ele é. A questão da existência de Deus não tem resposta possível. Mas o "consensus gentium" (o consenso dos povos) fala dos deuses há milênios e dentro de milênios ainda deles falará. 


O homem tem o direito de achar sua razão bela e perfeita, mas nunca, em hipótese alguma, ela deixará de ser apenas uma das funções espirituais possíveis, e só cobrirá o lado dos fenômenos do mundo que lhe diz respeito. A razão, porém, é rodeada de todos os lados pelo irracional, por aquilo que não concorda com ela. Essa irracionalidade também é uma função psíquica, o inconsciente coletivo, enquanto a razão é essencialmente ligada ao consciente. A consciência precisa da razão para descobrir uma ordem no caos do universo dos casos individuais para depois também criá-la, pelo menos na circunscrição humana. Fazemos o esforço louvável e útil de extirpar na medida do possível o caos da irracionalidade dentro e fora de nós.


Ao que tudo indica, já estamos bastante avançados neste processo. Um doente mental me disse outro dia: 

"Dr., hoje à noite desinfetei o céu inteiro com cloreto mercúrico, mas não descobri deus nenhum". 


Foi mais ou menos isto que nos aconteceu.


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Admito todas as crenças, todas as religiões e todas as formas culturais de manifestação da religiosidade do indivíduo.

Pois diversos são os caminhos para chegar ao patamar da sabedoria: ponto onde se une um conhecimento amplo das ciências da Natureza; um profundo conhecimento das dimensões todas do espírito; e finalmente um denso e consolidado senso ético. A Eticidade proposta por Hegel.

Esse é um ponto a que todos devemos almejar; mas nunca ter a ilusão de haver um ponto final, pois a evolução é um processo sem fim. Novos elementos sempre surgirão para desafiar as potencialidades já ampliadas do espírito.

Se alguém tem a ilusão de um ponto final esqueça; cada vez mais o pensamento se faz mais complexo e nesse complexidade sempre se ampliando a necessidade do trabalho também se amplia. Passamos a poder colaborar no processo de criação. Um processo cujas dimensões somos incapazes de conceber dados os limitantes do nosso estágio evolutivo.

Mas para nosso momento existencial basta um degrau a cada dia. Um pequeno passo que seja já nos ajuda.

E se esse passo for na direção da compreensão e afetividade para nossos semelhantes melhor ainda será.

Afinal a Vida é feita para aprendermos a amar.


Paulo Cesar Fernandes

17/11/2015  

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