quarta-feira, 11 de setembro de 2013

20130911 Síntese histórica

Síntese histórica


Nenhum escritor espírita tem para mim a significação de Herculano. Por mais respeito tenha pelos demais, aliar uma cultura tão ampla, um idealismo sem limites e um tal conhecimento da obra de Allan Kardec, não há quem no Brasil. Talvez nem no mundo.


Este primeiro item do seu Curso é um apanhado amplo, apesar de sintético do processo de desenvolvimento do homem até sua chegada na Era do Espírito. Me calo para que fale quem sabe dizer as coisas.
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José Herculano Pires
Curso Dinâmico de Espiritismo: esse grande desconhecido.

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O Processo Cultural

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No desenvolvimento da Cultura, em nosso mundo, podemos assinalar três fases bem definidas no processo histórico:


a) Culturas Empíricas;

b) Culturas Religiosas;

c) Culturas Científicas.


As Culturas Empíricas se desenvolvem nas relações primárias do homem com a Natureza, através das experiências naturais.


Nessas experiências o homem elabora os três elementos básicos de toda a cultura:

• a linguagem.

• o rito.

• o instrumento.



Não se trata de uma elaboração sucessiva, mas sincrônica, de uma reelaboração das experiências animais. Tudo se encadeia no Universo, diz O Livro dos Espíritos.


Nesse encadeamento as vozes animais se transformam na linguagem humana, os ritos em rituais da sociabilidade humana e dos cerimoniais religiosos, as garras dos animais se projetam nos instrumentos de pau e pedra de que o homem se serve para agir sabre a Natureza e adaptá-la as suas necessidades de sobrevivência.


As experiências que desenvolvem a Cultura Empírica excitam as potencialidades do espírito, desenvolvendo-as nas tribos e nas hordas. A lei de adoração, proveniente da ideia inata de Deus no homem, gera a reverência pelos poderes misteriosos da Natureza e institui os primeiros rituais de reverência aos pagés ou xamãs e feiticeiros, bem como ao cacique e aos chefes guerreiros. O culto às divindades da selva nasce desses rituais.


A Cultura Empírica gera a Cultura Religiosa das primeiras tribos sedentárias. A idéia de Deus se define mais nítida com o desenvolvimento da Razão, sob a influência dos ritos da Natureza, nas primeiras civilizações agrárias e pastoris. O milagre das germinações, no ritmo regular das estações, e a proliferação dos rebanhos provam a existência de inteligências controladoras dos fenômenos naturais e protetoras do homem. O animismo, projeção da alma humana nas coisas, impregna a Natureza com uma vida factícia em que a pedra, a árvore, o rio, o bosque, a montanha, o mar, tudo fala e pensa em condições humanas. As manifestações espíritas provam a realidade anímica da Natureza. A figura de Deus, Ser Superior, criador e dominador do mundo, impõe-se ao homem na forma necessariamente humana. E como Deus não pode estar sozinho, multiplica-se em mitos que simbolizam as suas várias atividades, ligadas às atividades humanas. Ao mesmo tempo, as forças destruidoras e as manifestações de espíritos malignos geram os mitos da oposição a Deus. Nasce o Diabo desse contraste, estabelecendo a luta entre o Bem e o Mal, sujeitando o homem
à esperança da proteção divina e ao temor dos poderes maléficos.


A Cultura Religiosa se configura na síntese dessa dialética do invisível e do visível, do sentimento e da sensação, fazendo evoluírem as civilizações agrárias e pastoris para a fase das civilizações teocráticas que se desenvolvem no Oriente, nas regiões em que brilha a luz em cada alvorecer. Os ritmos da Terra e do Céu, do dia e da noite, as estações do ano, o Sol e a Lua, as constelações anunciadoras de cada mudança no tempo, a chuva e as inundações, os terremotos, as erupções vulcânicas, as pestes, as pragas, o relâmpago, o raio, as tempestades exigem a disciplinação do caos e ao mesmo tempo a complexidade dos cultos. Os soberanos das nações são filhos de Deus e possuem poderes divinos. A Cultura se desenvolve na argamassa dos sentimentos e das sensações. A Fé se define como sentimento e sensação em misturas condicionadas pela Razão, expressa nas formulações filosóficas. A Teologia brota desse complexo de mistérios como a Ciência Suprema dos videntes e dos profetas, dos homens mais do que homens de que falaria Descartes, homens privilegiados pela sabedoria infusa que desce do Céu para iluminar a Terra. A Cultura Religiosa é uma oferenda celeste que os homens simplesmente homens não podem tocar com suas mãos indignas, não podem avaliar com suas mentes entorpecidas pelos interesses materiais e as ambições inferiores da vida perecível. O mundo se divide em duas partes inconciliáveis: surgem os conceitos do Sagrado e do Profano. As Culturas Religiosas desligam-se da tradição empírica, rejeitam a experiência natural, relegando-a ao campo do profano, do pecaminoso. Entregam-se à alienação do suposto, do imaginário.


O Cristianismo envolve-se nas contradições humanas: cai na simonia, no comércio ambicioso de sacramentos e indulgências, pregando a renúncia ao mundo e a santidade da pobreza; proclama a humildade como virtude e investe-se do poder político; denuncia o paganismo e o judaísmo como heréticos e assimila os seus elementos rituais e a sua política gananciosa; prega o Reino de Deus e apossa-se dos reinos terrenos; impugna a sabedoria grega e constrói o seu saber com decalques de Platão e Aristóteles; ensina a fraternidade e promove guerras fratricidas em nome de Deus; erige-se em religião do Deus Único e divide Deus em três pessoas distintas; institui o celibato como virtude e faz comércio ambicioso do sacramento do matrimônio; combate a magia e reveste o seu culto de poderes mágicos; luta contra as heresias e comete a suprema heresia de submeter Deus ao poder do sacerdócio no ato eucarístico; profliga a idolatria e enche os seus templos com ídolos copiados da idolatria mitológica, chega ao máximo da alienação estabelecendo o sistema fechado das clausuras e dos mosteiros segregados; prega o Evangelho e nega ao povo o acesso aos textos que considera privativos do clero; proclama a supremacia espiritual do amor e semeia o ódio aos que não aceitam os seus princípios.


A alienação cristã faz da cultura um sincretismo de absurdos assimilados de dogmas e rituais bastardos de igrejas e ordens ocultas da mais alta Antiguidade, transformando o conhecimento em gigantesca colcha de retalhos em que as próprias vestes sacerdotais e paramentos do culto são copiados de antigas e condenadas igrejas. A cultura cristã se desenvolve com pressupostos falaciosos e um fabulário ridículo enxameado de superstições erigidas em verdades absolutas, provindas de revelações divinas. A verdade artificial da sabedoria eclesiástica encobre a realidade com o espesso véu das elucubrações dos teólogos, modelos de esquizofrenia catatônica e megalomania delirante. A cultura em evolução nas fases anteriores cai na estagnação de um charco de mentiras sagradas, pílulas doiradas de um anestésico.


Interrompe-se o processo cultural. Não se pode conhecer mais nada. Cada Igreja tem a sua verdade própria e inverificável, sendo a Igreja Cristã a mais poderosa barreira a qualquer tentativa de investigação da realidade. A morte cruel é o prêmio dos que se atreverem a rasgar o Véu de Isis para mostrar o corpo da Verdade Nua.

O desenvolvimento da imaginação criadora levara a cultura a um solipsismo devorador. Tudo estava esclarecido, a imaginação dos poetas (considerados profetas) resolvia todos os mistérios em termos de mitologia grega ou tradição romana, os teólogos solucionavam os problemas da vida e da morte com belas frases em latim, as Igrejas detinham a Verdade Absoluta, amaldiçoando-se entre si, e velavam pela ordem cultural perseguindo e matando em nome de Deus os atrevidos que tentassem profanar a Palavra de Deus, escrita na Bíblia por velhíssimos judeus que haviam, num complô com César e seu legado Pilatos, condenado à flagelação e à cruz um jovem carpinteiro que tivera audácia de se apresentar como o Messias de Israel.


A Cultura Científica teve de romper a golpes de atrevimento a selva selvaggia dessa cultura religiosa inconseqüente, contraditória e arrogante, empalhada como um pássaro morto em velhos pergaminhos de uma sabedoria feita de suposições e elucubrações pretensiosas. O mundo dos homens desligara-se totalmente da realidade, fechando-se num casulo de formulações abstratas. Mais bizantina que Bizâncio, Roma sofismava sobre problemas que se recusava a conhecer. Só a ignorância total e a ingenuidade das populações bárbaras poderia aceitar. Após a queda do Império do Ocidente, comprovava-se historicamente a afirmação evangélica de que o ensino de Jesus seria deturpado e necessitaria de tempo para que os homens pudessem compreendê-lo. O milênio medieval teria a função de desenvolver a razão como guia do pensamento e freio da imaginação, ao fogo das tragédias e loucuras de um misticismo criminoso, para que, no Renascimento, os frutos de experiências dolorosas abrissem perspectivas para o desenvolvimento de uma cultura realista, apoiada em pesquisas metódicas da realidade.


Foi então que a esquizofrenia mundial revelou-se em definitivo: o espírito humano estava dividido numa cultura fantasiosa, formada pela dogmática absurda das religiões, e numa cultura rebelde, atrevida e exigente, que arrancava os homens da ilusão de um saber confuso, para oferecer-lhes o saber legítimo que iniciara a fase das
experiências empíricas e se negara a si mesma no desenvolvimento alucinado do fanatismo religioso. O movimento da Reforma, desencadeado por Lutero, em consequência das lutas de Abelardo e das proposições de Erasmo de Roterdã, em conjugação aparentemente ocasional com as tentativas de pesquisas objetivas de Galileu, Copérnico, Giordano Bruno e outros mártires da Ciência nascente, marcavam os rumos de uma nova concepção do mundo e do homem. Abelardo foi o precursor medieval de Descartes, que por sua vez foi o precursor de Kardec. Aos fundamentos emocionais da Fé absurda e cega, os pioneiros do retorno ao real oferecíamos fundamentos da Razão esclarecida e da pesquisa científica. A Verdade ressurgia das cinzas das fogueiras criminosas e a Fé de olhos abertos substituía a ceguinha esclerótica das sacristias.


Mas a luta pela Verdade da concepção cristã restabelecida só atingiria o seu apogeu nos meados do Século XIX, com a Codificação do Espiritismo, através das pesquisas pioneiras de Kardec sobre os fenômenos mediúnicos, hoje admitidos pela Ciência com a denominação de paranormais. Kardec provara que os médiuns não eram anormais, como pretendiam os investigadores da Medicina e da Psicologia, nem sobrenaturais, como pretendiam os defensores de dogmas obsoletos, mas naturais e normais. A Mediunidade se impunha à pesquisa dos cientistas exponenciais da época, que rasgavam ao mesmo tempo o Véu do Templo, revelando os seus mistérios, os Véus de Isis, para desvendar o sentido dos símbolos mitológicos. Os homens começaram então a aprender que não sabiam nada e tinham de lutar para descobrir a Verdade escondida atrás da aparência enganosa das coisas e dos seres. A Ciência Espírita instalou-se no mundo, com as consequências necessárias da Filosofia Espírita e da Religião em Espírito e Verdade. O Espiritismo, em seus três aspectos, está hoje confirmado pela Cultura Científica e seu alcance cósmico se confirma no ritmo acelerado das conquistas culturais do século, restabelecendo o ensino deturpado pelas ambições humanas, que Jesus de Nazaré semeou em palavras de vida e imortalidade nas almas de todos os tempos.

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Neste dia 11 de setembro, ao completar 40 anos da morte de Salvador Allende gostaria de lhe render uma homenagem, bem como a Herculano Pires. Dois espíritos voltados para o Bem de Todos e tendo a Justiça como um roteiro, uma meta.


Paulo Cesar Fernandes

11 09 2013

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