terça-feira, 30 de julho de 2013

20130730 Fatalidade

A fatalidade e os pressentimentos

Revista Espírita, março de 1858

INSTRUÇÕES DADAS POR SÃO LUÍS


Um dos nossos correspondentes nos escreveu o que segue:


"No mês de setembro último, uma embarcação leve, fazendo a travessia de Dunkerque à Ostende, foi surpreendida por um tempo agitado e pela noite; o barquinho soçobra, e das oito pessoas que o tripulavam, quatro perecem; as outras quatro, entre as quais me encontrava, conseguiram se manter sobre a quilha. Permanecemos
toda a noite nessa horrível posição, sem outra perspectiva do que a morte, que nos parecia inevitável e da qual experimentamos todas as angústias. Ao amanhecer, tendo o vento nos levado à costa, pudemos ganhar a terra a nado.


"Por que nesse perigo, igual para todos, só quatro pessoas sucumbiram? Anotai que, por minha parte, é a sexta ou sétima vez que escapo de um perigo tão iminente, e quase nas mesmas circunstâncias. Sou verdadeiramente levado a crer que mão invisível me protege.


Que fiz para isso? Não sei muito; sou sem importância e sem utilidade neste mundo, e não me gabo de valer mais do que os outros; longe disso: havia, entre as vítimas do acidente, um digno eclesiástico, modelo de virtudes evangélicas, e uma venerável irmã de São Vicente de Paulo, que iam cumprir uma santa missão de caridade cristã. A fatalidade me parece ter um grande papel no meu destino. Os Espíritos, nela não estariam para alguma coisa? Seria possível ter, por eles, uma explicação a esse respeito,
perguntando-lhes, por exemplo, se são eles que provocam ou afastam os perigos que nos ameaçam?-"


Conforme o desejo de nosso correspondente, dirigimos as perguntas seguintes ao Espírito de São Luís que gosta de se comunicar conosco todas as vezes que há uma instrução útil para dar.


1. Quando um perigo iminente ameaça alguém, é um Espírito que dirige o perigo, e quando dele escapa, é um outro Espírito que o afasta?


R_ Quando um Espírito se encarna, escolhe uma prova; escolhendo-a se faz uma espécie de destino, que não pode mais conjurar, uma vez que a ele está submetido; falo de provas físicas. Conservando o Espírito no seu livre arbítrio, sobre o bem e o mal, é sempre o senhor para suportar ou repelir a prova; um bom Espírito, vendo-o enfraquecer, pode vir em sua ajuda, mas não pode influir, sobre ele, de maneira a dominar a sua vontade. Um Espírito mau, quer dizer, inferior, mostrando-lhe, exagerando-lhe um perigo físico, pode abalá-lo e amedrontá-lo, mas, a vontade do Espírito encarnado não fica menos livre de todo entrave.


2. Quando um homem está no ponto de perecer por acidente, me parece que o livre arbítrio nisso não vale nada. Pergunto, pois, se é um mau Espírito que provoca esse acidente, que dele é, de algum modo, o agente; e, no caso em que se livra do perigo, se um bom Espírito veio em sua ajuda.


R_ O bom Espírito ou o mau Espírito não pode senão sugerir bons ou maus pensamentos, segundo a sua natureza. O acidente está marcado no destino do homem. Quando a tua vida é posta em perigo, trata-se de uma advertência que tu mesmo a desejaste, a fim de te desviares do mal e de te tomares melhor. Quando tu escapas
desse perigo, ainda sob a influência do perigo que correste, pensas mais ou menos fortemente, segundo a ação mais ou menos forte dos bons Espíritos, em te tomares melhor. O mau Espírito sobrevindo (digo mau subentendendo que o mal ainda está nele), pensas que escaparás do mesmo modo de outros perigos e deixas, de novo, tuas paixões se desencadearem.


3. A fatalidade que parece presidir aos destinos materiais de nossas vidas seria, pois, ainda o efeito do nosso livre arbítrio?


R_ Tu mesmo escolheste tua prova: quanto mais ela é rude, melhor tu a suportes, mais tu te elevas. Aqueles que passam sua vida em abundância e na felicidade humana, são Espíritos frouxos que permanecem estacionários. Assim, o número dos infortunados sobrepuja em muito o dos felizes desse mundo, tendo em vista que os Espíritos procuram, em maior parte, a prova que lhes será a mais frutífera. Eles veem muito bem a futilidade de vossas grandezas e de vossas alegrias. Aliás, a vida mais feliz é sempre agitada, sempre perturbada, não seria isso senão pela ausência da dor.


4. Compreendemos perfeitamente essa doutrina, mas isso não nos explica se certos Espíritos têm uma ação direta sobre a causa material do acidente. Suponhamos que no momento em que um homem passa sobre uma ponte, essa ponte se desmorona. Que impeliu o homem a passar nessa ponte?


R_ Quando um homem passa sobre uma ponte que deve se romper, não é um Espírito que o conduz a passar nessa ponte, é o instinto do seu destino que para lá o leva.


5. O que fez desmoronar a ponte?


R_ As circunstâncias naturais. A matéria tem nelas suas causas de destruição. No caso do qual se trata o Espírito, tendo necessidade de recorrer a um elemento estranho à sua natureza para mover as forcas naturais, recorrerá antes à intuição espiritual. Assim tal ponte adiante se rompe, a água tendo desconjuntado as pedras que a compõe, a ferrugem tendo corroído a corrente que a suspenda, o Espírito, digo eu, ensinará antes ao homem para que passe por essa ponte do que fazer romper uma outra sob seus passos. Aliás, tendes uma prova material do que eu adianto: qualquer acidente que chegue sempre naturalmente, quer dizer, de causas que se ligam umas as outras, e se conduzem insensivelmente.


6. Tomemos um outro caso no qual a destruição da matéria não seja a causa do acidente. Um homem mal intencionado atira sobre mim, a bala me roça, não me atinge. Um Espírito benevolente pode tê-la desviado?


R_ Não.


7. Os Espíritos podem nos advertir diretamente de um perigo? Eis um fato que parece confirmá-lo: uma mulher saía de sua casa e seguia pelo boulevar. Uma voz íntima lhe diz: Vai-te; retorna para tua casa. Ela hesita. A mesma voz se faz ouvir várias vezes; então, ela volta sobre seus passos; mas, reconsiderando-se, ela se diz: que vou fazer em minha casa? Dela saí; é sem dúvida um efeito de minha imaginação. Então, ela continua o seu caminho. A alguns passos dali, uma viga que se soltou de uma casa, atinge-lhe a cabeça e a derruba inconsciente. Qual era essa voz? Não foi um pressentimento do que ia acontecer a essa mulher?


R_ A do instinto; aliás, nenhum pressentimento tem tais caracteres: sempre são vagos.


8. Que entendeis pela voz do instinto?


R_ Entendo que o Espírito, antes de se encarnar, tem conhecimento de todas as fases de sua existência; quando estas têm um caráter saliente, delas conserva uma espécie de impressão no foro íntimo, e essa impressão, despertando quando o momento se aproxima, torna-se pressentimento.


Nota. As explicações acima reportam-se à fatalidade dos acontecimentos materiais. A fatalidade morai está tratada, de modo completo, em O Livro dos Espíritos.


===


Aqui me vejo eu diante de uma dificuldade. As palavras de São Luís, se é que foram dele mesmo, defendem o fatalismo.. E, segundo minha forma de compreender a mensagem de Kardec em seu todo, o fatalismo não existe.


A Liberdade é Plena e Total na nossa existência.


Essa ideia de programarmos nossa encarnação é uma amarra, tolhendo nossa capacidade de tecer escolhas para nossa jornada.


Nunca na minha infância, nem de longe, pensara em trabalhar com computadores. Até porque essa área estava longe de nosso pais na época. Ou ainda, trabalhar numa biblioteca.


Como poderia eu ter planejado isso?


Circunstâncias de saúde, e de afeição às pessoas me levaram a ficar mais tempo que o planejado na biblioteca. Quando passei no concurso, tencionava ficar seis meses e volver ao trabalho em informática na cidade de São Paulo. Algumas oportunidades surgiram, mas acabei recusando. Os livros, por certo também exerceram forte atrativo. Ler muito. Ler sem limites. O assunto que me aprouvesse, tomando livros das Universidades Estaduais de São Paulo era para mim um privilégio sem par.


Posso até ter planejado uma existência longe da música, e das artes; visando desenvolver um pouco mais o aspecto da organização pessoal. De fato algo melhorou. Mas ainda muito me falta em organização.


Professor Paulo Freire define duas formas de organização: 1- organização geográfica; 2- organização mental.


Quem tem a organização geográfica, a sua sala é um primor, cada coisa em seu lugar e devidamente arrumado. Mas nem sempre a pessoa acessa facilmente as coisas.


Por outro lado, a sala de quem tem organização mental é uma bagunça, no entanto o acesso é sempre imediato a qualquer item.
Desde que ninguém "faça o favor de ordenar". Aí nada mais é encontrado.


Sou da segunda categoria. Na juventude, quando minha irmã arrumava minha escrivaninha era o inicio de um tormento. Pois havia ordem no antigo caos. Eu sabia onde as coisas andavam. Ainda hoje em minha casa é assim. Busco manter as coisas nos mesmos lugares sempre, e dessa maneira ter sempre rápido acesso a elas.


Mesmo geograficamente desordenadas, as coisas estão em seus lugares.


Voltando à determinação.


Nada está traçado em definitivo. Quem usa o texto de Kardec ao pé da letra, sem ver a obra como um todo pode discordar, por estar lá na Revista Espírita, e vir de São Luís.


Todos temos a missão de ler as coisas todas e raciocinar sobre elas.


Não há verdade e nem Verdade.


Somos capazes de construir nossas conclusões de forma livre e autônoma. Aliás, essa é minha meta para todas as pessoas na face da Terra. Já se foram os tempos do homem necessitar de guias e pastores. De Donos da Verdade. Tudo isso caiu por terra. Vivemos no Reino da Individualidade. E a Individualidade é livre e soberana
sobre os rumos de sua existência.


Estudando e pensando. Pensando e se transformando. O homem se constrói a cada dia, e a cada dia refaz a sociedade na qual está contribuindo com seu trabalho, seja ele braçal, seja ele intelectual.


Homem e sociedade formam uma interação dialética, onde nada pode ser estático. E nada pode ser dado a priori. Daí não haver determinismo na encarnação.


Se discordar me escreva e poste sua opinião. Como já disse não há verdade. Tão somente ideias, passíveis de engano.


Paulo Cesar Fernandes

30 07 2013

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