sábado, 26 de maio de 2012

Fichamento - Imbassahy - Freud e as manifestações da alma

Freud e as manifestações da alma

Carlos Imbassahy

Editora Eco - Rio de Janeiro - 1976
Edição original - 1969


Pág. 37

O Inconsciente

O Inconsciente tornou-se, no laboratório de psicanalistas, psicólogos e até parapsicólogos, um recipiente má-gico. Dali saem prodígios, ali se resolvem mistérios, ali se processam as maiores complicações, solucionam-se questões intrincadas, matam-se charadas psíquicas.
O Inconsciente produz, arquiteta, elabora, inventa, prevê, descobre,, resolve, adivinha. É um propulsor incansável; não ha para ele dificuldades, empecilhos, barreiras, desconhecimentos. É onimodo, é onisciente, é onipotente. Dali sai o que nunca entrou. Ele tira do nada.
Nas mãos de doutos e indoutos é um Deus ex-machina. Basta que se aperte um botão, ou mesmo que não se aperte nenhum, e toca a sair de lá o que há de mais fantástico: é o chapéu do Frégoli.
E o interessante é que esse Inconsciente não passa de uma abstração. Não há de sua existência nenhum indício, tópico ou qualquer característica típica; dir-se-ia tudo utópico. Nada se sabe a seu respeito, senão por seus misteriosos predicados.
Formou-se não se sabe como, não tem localização definida, não é passível de exame, nem de verificação de qualquer espécie. Não se lhe podem aplicar sondagens com as sondas que conhecemos; não se conhecem as investigações científicas, as observações microscópicas; é tão imaginoso como o eixo da Terra. E é esse órgão, anatomicamente inverificável, fisiológicamente imprescrutável, que se tornou responsável por todas as incógnitas psíquicas.

Pág. 39

A Psicanálise não conhecendo as vidas pregressas, não passou da fase que começa no ventre materno; daí as suas proposições inverificáveis, comumente absurdas, e somente aceitáveis, dada a sugestibilidade dos nossos psicólogos, prontos a aceitarem qualquer fantasmagoria desde que tome um aspecto complicado, tenha um fundo nebuloso, seja insusceptível de demonstração e se torne incompreensível ao vulgo, o que lhes dá a eles, psicólogos, grande superioridade, visto irem onde nin¬guém vai, alcançarem o que ninguém alcança, perceberem o que ninguém percebe, fora os seus pares, aliás nem sempre de acordo.
Mas esses atributos são do Espírito. Quando mui¬to, ele vai buscar á bagagem que traz consigo, guardada nos escaninhos do ser, e com seu auxílio produz aquilo que nos admira e que não sabemos onde foi buscar. Toda a energia, porém, é do Espírito, porque nele e com ele é que está a vida, e com ela o ser intelectual, emotivo, volitivo; o ser imperecível, posto no Mundo para os efeitos de sua evolução, no atrito da Natureza e no convívio com seus semelhantes.

Pág. 41

O papel do Inconscìente consiste, pois, em fornecer ao Espírito os elementos de que ele necessita e que ficaram lá depositados. É o Espírito que, no sono, na meditação, no transe, na sugestão, vai buscar esses elementos armazenados, o material acumulado na sua viagem através dos séculos e através dos Mundos, para apresentar os fenômenos que muitos supõem produzidos pelo Inconsciente, embora não houvesse ainda quem se dispusesse a lançar um olhar nas suas fornalhas, a ver como ali se forjam as espetaculares manifestações.
Nesse engano de nos apresentarem o Inconsciente como o produtor de fenômenos para os quais falecem os dados conhecidos, caem até os grandes cultores do Psi¬quismo, enviscados pelas lantejoulas da Ciência.

Pág. 48

O arquétipo inconsciente não é mais do que as im¬pressões que foram ficando gravadas no Espírito através de suas jornadas. Compreende-se que essas impressões se tornem indeléveis num Espírito, no indivíduo que evolve, por em nada perde de suas aquisições espirituais. Não se percebe, porém, como se perpetuariam elas na matéria e matéria que se renova constantemente. E não se imaginaria ainda essa persistência em inúmeras gerações, com todos os percalços da transmissão hereditária.

Pág. 51

Darem ao Inconsciente papel ou função primordial nos mistérios da vida psíquica é desconhecer por com-pleto o Espírito, os seus atributos, a sua dinâmica., o que ele representa no organismo, que superintende, dirige e impulsiona. O papel dinâmico do Inconsciente seria defensável num materialista, mas incompreensível num espiritualista.

Pág. 52

Citando José Alves Garcia :

a) NOS SONHOS -"No sonho o indivíduo faz uma série de coisas que repele: furtos, as-sassínios: É a manifestação do outro Eu. Não há lógica, mas confusão de pessoas, cidades, situações, tudo na mais completa falta de lógica."

Pág. 53

Existe, de fato, na memória recôndita todo um imenso passado, referto dos mais variados episódios. É de crer que, no sono, fossem exumados tais episódios, e daí os assassínios, os furtos e outras ações pecaminosas; é de crer que o Espírito andasse por muitos lugares e daí a mistura de , cidades e situações, vindas pêle-mêle à mente; é de crer que as recordações surgissem em retalhos e de mistura, e daí a falta de lógica. Não há porém outro Eu, é o mesmo Eu, apresentando um amálgama, onde passado, presente e futuro se fundem, onde o passado surge sem a ordem que o tempo e o espaço estabelecem. São recortes de cenas, de incidentes, de situações que a memória reteve, e que no sonho aparecem de mistura, ou a mistura se dá ao acordar.
Há ainda as viagens do Espírito, e o sonho é o que ele presencia; há a reunião com outros Espíritos, as comunicações, os avisos, os sonhos premonitórios. Em todo esse panorama o agente é único, o agen¬te é o mesmo, o sonhador, que se desprendeu da cama e do corpo, que relembra o presente, sonda o passado, pressente o futuro, e de tudo tem, por vezes, uma recordação nebulosa, onde as coisas absurdas, a falta de lógica, a miscelânea de tempo, espaço, pessoas, cidades situações, são para muitos indecifrável mistério: outras vão buscar a solução no Inconsciente, como se esse Incons¬ciente fosse um infalível decifrador de charadas.

Pág. 73

EXPLICAR O CASO BREUER - Caso de Ana

O que pensa Imbassahy :

Há que observar ainda o seguinte: Davam-se os tiques quando a senhora sofria algum abalo nervoso. É de crer que não existindo o abalo não houvesse os tiques, e porque não os havia, Freud acreditou na sua ação terapêutica.

O caso dos agrupamentos mentais, independentes entre si, essa "dupla consciência", é o fenômeno da dupla personalidade, que também se manifesta na doente de Breuer, o que faz acreditar fosse ela sensitiva ou médium.
O estado mental consciente era o da sensitiva em seu estado normal; o inconsciente - que Freud chamava o estado separado - seria á personalidade segunda, isto é, a revivescência de uma personalidade anterior, conforme as experiências de De Rochas e tantos outros que lhe seguiram na esteira.
Há ainda um fenômeno com a sensitiva semelhante ao da regressão da memória: na emersão das idéias a cadeia de recordações se fazia em ordem cronológica. Mas que é que Breuer e Freud poderiam conhecer nesse terreno? . . .

Pág. 77

Em certa mocinha que perdera o pai, nascera particular simpatia pelo cunhado, o que poderia passar por simples ternura familiar. Quando a irmã faleceu correu-lhe na mente, em rápido instante, uma idéia mais ou menos assim: - Ele agora está livre. pode desposar-me. E Freud conclui :

"É-nos lícito admitir, como certo, que essa idéia, denunciando-lhe à consciência o intenso amor, que sem o saber tinha ao cunhado, foi logo entregue ao recalcamento pelos próprios sentimentos revoltados. A jovem adoeceu com graves sintomas histéricos e quando comecei a tratá-la, tinha esquecido não só a cena junto ao leito da irmã, como seu sentimento indigno e egoísta. Mas recordou-se de tudo durante o tratamento, reproduziu o incidente patogênico com sinais de intensa emoção e curou-se."

Dá-nos o mestre vienense mais um exemplo por onde se pode compreender o que se passa nesse terreno:

Um sujeito porta-se inconvenientemente num salão de conferência; põem-no fora. Ele fica "recalcado". Para que não volte, indivíduos ficam postados como "resistências". Transporte-se a sala para a psique como, "consciente" e a porta como "inconsciente , e ai tem a imagem do recalque.

Pág. 78 E 79

VERIFICAR EM PETER GAY SE ELA NÃO TINHA IDO MORAR NA INGLATERRA

Analisemo-la.

Lembra ele que a doente de Breuer, esquecendo 0 seu idioma e outros que conhecia, teve como compensação o inglês. Tratava-se de uma compensadora barganha psíquica. E isto vai servir de apoio a justificar, daí por diante, o injustificável. Coisas do inconsciente, que opera prodígios sem que se saiba como se dá o milagre. Ora, vejam a simplicidade: o indivíduo esquece um idioma, e parte dos subterrâneos do Eu, como ficha de consolação, outro idioma de que ele não sabia nada. De onde lhe veio esse conhecimento reparador, a título de indenização, é coisa sem importância, desde que se confira ao inconsciente poderes discricionários. E já estamos vendo onde se foram abeberar certos parapsicólogos.
O que não viria à mente de um psicanalista é que se tratasse de um fenômeno psíquico, onde entram lem-branças de um passado remoto. Nem poderia supor que a personalidade pregressa se tivesse sobreposto à atual e daí a substituição de uma linguagem por outra. Se a antiga individualidade emerge da profundidade do ser é natural que obscureça o presente para dar relevo ao passado. Reminiscências de outra existência, como nos casos da dupla personalidade. É o que teria acontecido com a paciente de Breuer.
O Mestre abandonou o hipnotismo, quando o hipnotismo é que traz a chave de muitas experiências e principalmente a razão das curas atribuídas aos desrecalques.

Pág. 81

NOTA DO PC : Imbassahy estabelece juízo de valor o que me parece incorreto. Julga Freud de certa forma imputando-lhe desonestidade.

Freud dá-nos um caso isolado, embora nos diga que o colheu entre muitos. Aquele, provavelmente, deveria ser o melhor, se houve, mesmo, os outros. Mas esse, dado como exemplo, é psicologicamente falho, sem garantia de autenticidade, absurdo na sua exposição, inverificável na prática, incompreensível no mecanismo. E o fato mais curioso e mais relevante é apresentado em duas linhas, sem maiores explicações: sacou-se o segredo, que saiu do interior com o único testemunho do mestre, e a cura foi instantânea como se houvera a aplicação de um anes¬tésico.
Ninguém indaga até onde vai o poder de imaginação de um homem culto mas obsidiado por uma idéia fixa, nem onde iria o poder sugestivo sobre a doente, nem quais os casos que poderiam sustentar e corrobo¬rar o apresentado. Mas logo temos as bases de uma nova Ciência que o Mundo proclama como um dos maiores achados do século.


SONHOS

Pág. 88

É esta a fonte principal dos pensamentos ou sentimentos recalcados. É a pedra de toque, é a "estrada real para o conhecimento do inconsciente. a base mais segura da psicanálise".
O estudo do sonho é vasto na ciência psicanalítica e a exposição do mestre vienense faz-nos pensar num indivíduo a tatear num labirinto até encontrar uma saída qualquer.
As objeções que lhe opõem julga Freud superfïcia¬líssimas e afirma, com o mais invejável dos assombros
que "as soluções dos problemas da vida onírica já não apresentam dificuldade alguma".
Não cabendo nos limites deste capítulo um estudo completo desta parte, e não sendo possível, infelizmente, apresentar os exemplos que Freud nos mostra e por onde veríamos como são risíveis os seus esforços de in-terpretação, limitar-nos-emos ao resumo da terceira lição.
Principia confessando que não tem necessidade de hipóteses místicas e por isso nunca pôde descobrir nada que confirmasse a natureza profética dos sonhos.
Dois erros profundos numa pequena frase. O pri¬meiro é o do misticismo. Ora, não há misticismo ne¬nhum onde há realidade. Nunca se fez disso um mis¬tério, nem crença religiosa, nem se trata de devoção ou sobrenaturalidade. O sonho premonitório é um fato sob o domínio de um dos métodos científicos, o da ob-servação.
O segundo lapso, e esse pior ainda, é o inacreditável desconhecimento do mais conhecido, do mais relatado, do mais demonstrado fenômeno psíquico supranormal. Dele se ocupam grandes sábios do Velho e do Novo Mundo; sobre a previdência em sonho têm-se escrito muitas obras de extraordinário valor. Já delas fizemos uma resenha em outras obras. A documentação é pasmosa. Entretanto, o emérito fundador de uma escola psicológica, aquele que assentou os alicerces de uma doutrina revolucionária, ignora por completo, e o proclama, esse curioso fato anímico, que é o de vermos em sonho o que vai acontecer. Tal fato por si bastaria para duvidarmos das afirmativas de Freud no que concerne aos problemas da alma humana.

Pág. 98

COM RELAÇÃO AOS TRAUMAS DA INFÂNCIA

Acha que é na memória da mais remota infância que vamos encontrar os acontecimentos que determi-naram a moléstia do adulto; foram os desejos recalcados da meninice que deram força aos sintomas, e esses desejos infantis têm que ser reconhecidos como sexuais.
Não nos dá qualquer exemplo elucidativo e muito menos qualquer prova. Os enunciados transformam-se em axiomas. E quanto ao espanto que poderá produzir tal declaração, por não se descobrir sexualidade na infância, responde :

"Não. Não é verdade que o instinto sexual na puberdade entre no indivíduo como, segundo o Evangelho, os demônios entraram nos porcos.
A criança possui, desde o princípio, o instinto e a atividade sexuais. Ela os traz consigo para o mundo e deles provêm, através de uma evolução rica de etapas, a chamada sexualidade normal do adulto. Não são difíceis de observar as manifestações da atividade sexual infantil; ao contrário, para deixá-las passar despercebidas é que é preciso certa arte."

Pág. 102

Os doutíssimos investigadores da alma compreenderiam melhor os problemas da sexualidade infantil se soubessem - retiradas as vendas científicas - que há as existências anteriores do indivíduo; destas existência: trazem eles para a nova, se não se purificarem, os caracteres ainda inferiores do ser, os sintomas da animalidade primitiva. Há por isso crianças cujo passado foi um acervo de sentimentos e ações inferiores, ou de ações eróticas, e que voltam ainda intoxicadas, dominadas por pendores que ainda não se extinguiram. São estes que se manifestam, mesmo sem terem os infantes a correspondência física, não estando o corpo ainda preparado para ela.
Mas este fato não tem a generalidade que Freud lhe empresta, nem a significação que lhe dá. Muitos voltam já libertos das excitações excessivamente materiais, o que se traduz na inocência da criança e na sobriedade do adulto.
Isto seria tão fácil de entender !

Pág. 119/120

Há um capítulo do Psiquismo supranormal que daria a chave de muitos problemas com que lida a Psica-nálise. É o da obsessão. Iríamos divisar as neuroses como resultados de falhas e quedas num antigo passado, e em vez das fantasias, veríamos num fantasma a fonte dos males.
Não provêm os sintomas dos recalques da alma, porém de ódios recalcados. São antigas vítimas, sedentas de vingança, que vêm cobrar as dívidas irresgatadas.
A neurose será um sintoma, mas a gênese da doença está no pulso vingador. Pelo menos em muitos, em mui-tíssimos casos.
Mas daqui até lá, ou daqui até que se faça a verdadeira luz no entendimento dos profissionais da Neurologia ou da Psiquiatria, muita água há de passar por baixo da ponte. (22)

Pág. 137 a 140

O Sonho

É este um dos mais interessantes capítulos da concepção freudiana. E também um dos mais ilusórios le-gados à humanidade. Produto de uma fantasia quase mórbida, sem o menor supedâneo, temos, por essa es-cola, nossa convicção dependendo do arbítrio, de construções imaginárias, de hipóteses inverossímeis, apresentadas, entretanto, com o cunho de verdades irrefragáveis.
Além disso, Freud entrou em terreno que lhe era desconhecido, sem nenhuma idéia do que seja o espí¬rito e sua dependência temporária, tendo apenas a seu dispor um material de ficção.
Ignorando como toda a gente a causa e os elemento dos sonhos, o que no sonho se realiza, como pode produzir-se, sujeitou suas conclusões a idéias preconcebidas, a noções falsas, bordou-as como pôde, e apresentou à Ciência os maiores absurdos, arrastando após si uma vasta cauda de admiradores, discípulos, seguidores apaixonados, e muitos tão fanatizados como ele.
Vamos ver o que foi posto de lado.
O sonho tem diversas causas: É a memoração de fatos da véspera ou de fatos recentes, ou de fatos antigos, ou de fatos antiquíssimos. Os que tratam do assunto ficam apenas nos fatos recentes e foi o ponto único verdadeiro que Freud apresentou. Na realidade, não há só os fatos de ontem, nem apenas os dos próximos dias, nem só ainda os da vida presente, mas os de todas as existências do indivíduo, os da série da vida pregressa, desse imenso passado que não sabemos onde teria começado, mas que nos fornece um fabuloso repositório de lembranças.
É nesse repositório imensurável que o espírito vai buscar, muitas vezes, o que apresentou no sonho; em alguns, a recordação se apresenta clara, coesa, uniforme, compreensível, como porções do terreno profundo que se apanhassem com todo o cuidado por não se desfazerem; de outras feitas, os assuntos se confundem, se embaralham, corno se a pá do cavador lançasse ao solo, de mistura, materiais diversos, fragmentos, camadas heterogêneas da vasta sedimentação milenária. Daí os sonhos confusos, extravagantes, inextricáveis.
Freud abandonou tudo isto. Ou catalogou, sem com¬preender, e assim nos diz - "Há sonhos coerentes, de uma beleza fantástica, outros embrulhados, estúpidos, absurdos, extravagantes. Há sonhos tão nítidos como os acontecimentos da vida real, outros desesperadamente fracos, apagados, vaporosos. Num mesmo sonho encontramos partes nítidas e outras inapreciáveis, vagas."
Muito bem, enquanto apresentou o fato. Depois entrou a fabular.
Há os casos de exteriorização anímica, que são os do desprendimento do espírito; estes acontecem em vá-rios estados na vigília e principalmente no sono. O es¬pírito, um tanto liberto dos liames físicos, entra em outros planos a que Osty dava o nome de crípticos. São planos espirituais, mais ou menos elevados, onde o ser vai colher avisos, prenúncios, conhecimentos, idéias. Onde vê paisagens . . . Onde se encontra com outros Espíritos, encarnados ou desencarnados.
Há as chamadas viagens do Espírito, por efeito do sono hipnótico ou do sono comum. Ele dirige-se a lugares diversos, visita amigos, vê cidades, vilas, campos ,cenários variados. Tudo isto Freud desconhecia.
Há ainda as fantasias e lucubrações espirituais, es¬pécie de castelos que costumamos fazer quando acor-dados. Dormindo, o Espírito também pensa. É de crer que tenha idéias, formule planos, arquitete projetos, desenvolva as suas manifestações de arte, de literatura, esclareça-se em pontos científicos, tudo em melhores condições, visto que, com mais amplitude e mais liberdade, podendo ver, ouvir, sentir, meditar melhor do que sujeito às restrições somáticas. ,

E isto Freud não podia nem queria perceber. A Psicanálise ficou, em matéria de sonho, completamente afastada dessas noções já averiguadas devidamente. Diante disso, diante dessa imensa lacuna, que ~ confiança pode merecer o ensino que o Mestre transmitiu às gerações futuras? . . . Vejamos agora como ele explana a sua teoria:

- Os sonhos devem ter um sentido. São efeitos sempre de desejos, da satisfação de desejos. - E são esses desejos e sentidos que o psicanalista descobre, não por artes mágicas, mas por um talento especial de que vão dotados os psicanalistas. Continuemos apresentando a doutrina :
Grandes cousas se podem manifestar por pequenos sinais; conhecem-se casos que começam por um sonho e terminam em idéia fixa. Houve personagens históricos que, graças aos sonhos, puderam operar prodígios. Alexandre tinha intérpretes de sonhos em sua comitiva. A cidade de Tiro opusera-lhe uma tal resistência, que ele resolveu retirar-se. Mas em sonho apareceu-lhe um sátiro que dançava triunfalmente; mais que depressa foi ao adivinho e este lhe disse que o sonho lhe prenunciava a vitória. Eis que Alexandre ordena o assalto e Tiro foi tomada. Freud passou por aí sem perceber nada. A premonição lhe era desconhecida. Conclui que o sonho é uma reação a uma excitação perturbadora. As excitações experimentadas durante o sono aparecem no sonho. E até aqui ainda não sabemos do papel dos desejos. Provavelmente o desejo de tomar a cidade apareceu em sonho transformado num sátiro a dançar. Narra-nos alguns casos :
Maury fez verificações em si próprio. Mandou que lhe dessem a cheirar água de Colônia e sonhou que se achava no Cairo, na loja Farina. Beliscam-lhe a nuca e ele sonha com um emplastro médico que lhe haviam aplicado na infância. Ou enfim lhe verteram uma gota de água na fronte e ele sonhou achar-se na Itália, transpirando muito e bebendo vinho.
Não percebeu o analista que tais fatos não passavam da evocação de cenas passadas, provocadas pelos estímulos. Uma delas é patente, como a do emplastro aplicado na infância. Nada de misterioso, de desejado, de psicanalítico. A beliscadela no pescoço foi o sinal provocador. Nem desejo, nem satisfação de desejo.

REVER FREUD PARA ANALISAR ISTO


Pág. 148

"que o sonho deixa após si um pesar, uma tristeza, um desejo insatisfeito". Não vemos no sonho esta constante de pesares e tristezas.

TERIA FREUD DITO ISTO ? ONDE ???


Pág. 150 a 156

Mas é ainda Freud quem escreve :
"Aquele que tendo comido coisas picantes experimenta à noite uma sensação de sede, sonha facilmente que bebe. É naturalmente impossível suprimir, pelo sonho, uma sensação de fome ou sede mais ou menos intensas, a pessoa acorda desse sonho sedenta e é preciso beber água real."
Mas então como se dará a satisfação do desejo? . Como afirmar que há no sonho essa satisfação?
Tivemos um amigo que em sonho tinha urgentes necessidades fisiológicas. E sonhava que andava à procura do local apropriado. Encontrava-o, por vezes, mas um não tinha portas, outro estava ocupado, outro era devassado, outro tinha desaparecido. E ficava assim até que acordava. Onde o desejo satisfeito?
'E mais ainda: Há inúmeros sonhos, a maioria deles, a quase totalidade, onde não se manifesta desejo ne-nhum, onde não há o menor vislumbre de qualquer desejo. Isto se vê mesmo na avultada messe que Freud apresenta.
Veremos mais adiante,e como ele procura sair-se da rascada.

A censura no sonho

Freud insiste. O sonho é um meio de supressão de excitações que vêm perturbar o sono, e essa supressão se efetua com o auxílio da satisfação alucinatória. Quando o sonho é incompreensível é porque está deformado.
Se recusamos admitir a interpretação, estamos sob as mesmas razões de censura que deformam o sonho.
Como se vê, não há fugir. Agora acompanhemos literalmente as lições, e o leitor não sugestionado por elas veja se é possível encontrar em seus sonhos o que ele nos descreve :

"O eu, desembaraçado de todo o estorvo moral, cede a todas as exigências do instinto sexual, as que nossa educação estética há muito condenou, e as que estão em oposição a todas as regras de restrição moral. A procura do prazer, que chamamos libido, escolhe seus objetos sem encontrar qualquer resistência e de preferência os proibidos; procura não somente a mulher de outrem como também aquilo a que o acordo unânime da humanidade conferiu um caráter sagrado: o homem leva a sua escolha à mãe, à mulher, ao pai ou irmão; ambições que consideramos estranhas à natureza humana mostram-se suficientemente fortes para provocar sonhos. O ódio alcança livre curso. Os desejos de vingança, de morte em relação às pessoas que mais amamos na vida, pais, irmãos, irmãs, esposo, esposa, filhos, estão longe de ser manifestações excepcionais nos sonhos. Esses desejos censuráveis pare¬cem remontar de um verdadeiro inferno. A in-terpretação feita em vigília mostra que os indivíduos não se detém diante de qualquer censura para a repressão."

Freud, sem compreender que a gênese desses sonhos, aliás raríssimos, pode provir de uma fonte longínqua, continua explicando que eles preenchem uma função inofensiva, que consiste em defender o sono contra as causas de perturbação. Não atinge, entretanto, as tendências morais e estéticas do eu. Valha-nos isto. Resta compreender como tão nefandos atos oníricos poderão ser um amparo à perturbação.
A sugestão leva até os mais eruditos mestres a aceitarem incondicionalmente os postulados freudianos. Assim não será de admirar que se veja no sonho ,um .processo de evitar perturbações e para evitá-las entram a desenvolver-se as mais hediondas lucubrações, inteiramente ao arrepio do caráter do sonhador.
Os sonhadores repelem as sugestões analíticas e dizem a Freud: - Quer demonstrar-me, pelo meu sonho, que eu lamento as somas que expendi para dotar as irmãs e irmãos, quando trabalho para a família e não tenho outro interesse senão o cumprimento de deveres?
Diz outro: - Como V. pretende que eu deseje a morte de meu marido? Nós formamos um lar feliz. Sua morte me privaria de tudo que possuo no mundo. E outro ainda : - V. me atribui desejos sensuais para com minha irmã. Até nem nos damos, e há mais de um ano não trocamos palavra.
Freud porém não se desconserta e explica : Trata-se de coisas que eles ignoram. Tais argumentos não resistem à nessa crítica. Supondo que exis¬tem na vida psíquica tendências inconscientes, que prova se poderá tirar contra elas do ato da existência de tendências diametralmente opostas na vida consciente? . . . E por fim declara:
"Os resultados da interpretação aparecem desagradáveis, vergonhosos, repugnantes?
Não importa. Isto não impede que eles existam."

Por maneira que a mulher virtuosa ama o seu marido., Isto está no consciente. No inconsciente, porém, virtudes e paixões desaparecem; o que ela quer é o adultério. Irmão e irmã se estimam; isto é no consciente;
inconscientemente desejam o incesto. Veja-se o pai ou mãe, inconsoláveis, à beira do túmulo do filhinho. Pranteando conscientemente; no inconsciente desejavam aquela morte.
Inconcebível. Freud, porém, nos garante que nada impede que tais sentimentos existam. É o dogma, como se sabe; aceita-se, porém não se discute.
Freud faz ressaltar que os desejos perturbadores do sonho nos são desconhecidos e só a interpretação lhes dá a chave. Diz ele que o sonhador a nega, mesmo depois que a patenteiam, e cita o caso do lapso Aufstossen, em que o orador afirmava que jamais tiver a qualquer sentimento desrespeitoso para com o seu chefe.
Teria razão? Nenhuma - afirma Freud - que não havia no orador a consciência de semelhante sentimento. Como se vê, não é o próprio que sabe o que lhe vai no íntimo, é o analista que tudo conhece por processos pessoais. E quando o indivíduo supõe que está com o espírito limpo, aí está o dedo psicanalítico para mostrar-Ihe a sujeira interna. Aí está o exemplo do orador, descrito no capítulo anterior. Ele parecia e era o funcionário grato, respeitoso, amigo, e assim continuaria se a, sonda psicanalista não fosse surpreender-lhe a lama subterrânea.
Quem pode estar seguro de si? A análise é a mais perigosa e a mais fúnebre das cavadeiras.


O simbolismo no sonho

Já vimos - conforme o ensino - que a deformação que nos impede de compreender o sonho é efeita da censura, a qual exerce a sua atividade contra os desejos inconscientes inaceitáveis.
É esta uma descoberta feita por dedução e cálculos como a descoberta de Netuno. Diz-nos que a censura, entretanto, não é o único fator; há o simbolismo. Freud confessa que esse fenômeno não é ainda tão compreensível como desejariam. Mas traduziu alguns: Desliza alguém em sonhos ao longo das fachadas das casas, experimentando ora prazer, ora angústia; quando os muros são lisos, trata-se de homens, se apresentam saliências, trata-se de mulheres. E apresenta vários outros, que devem ser símbolos alemães, visto que os. não conhecemos por aqui. Além disso, os nossos símbolos são, em regra, individuais e premonitórios, o que F'reud desconhece.
Nós, por exemplo, sempre que sonhamos com uma viagem não terminada, ou em que acordamos antes do desembarque, é certo recebermos uma notícia má ou sermos vítima de maus acontecimentos. É um sonho pressagio.
O símbolo existe, mas Freud não o compreendeu; não há deformações, nem sentimentos a esconder; há coisas por acontecer. Diz-nos, entretanto : A morte iminente é substituída no sonho pela partida, por uma viagem estrada de ferro, por certos presságios sinistros. . .
Nem sempre a partida é em estrada de ferro; mas, como se vê, não há ali substituição, nem deformação, nem satisfação de prazer, há premonição.
Fala-nos em sonhos, como os do vôo, que devem ser interpretados à base de uma excitação sexual; é o fenômeno da ereção. Mas a mulher também voa em sonho. Freud nunca se atrapalha: neste caso ela quer ser homem.
Tanto quanto nos foi possível entrar nos segredos ou nas confidências das damas que conhecemos, não soubemos de nenhuma que desejasse possuir o sexo masculino.
O simbolismo para o Mestre vem de diversas fontes: contos, mitos, farsas, facécias, folclore, costumes, habitação, rosto inclinado para a água, procurando perceber criancinhas.
É de admirar a argúcia da pesquisa. No meio daquela confusa e variada miscelânea, vai-se buscar o símbolo e dizer-se precisamente o que ele significa. O da partida em estrada de ferro onde estaria classificado?

Entre várias explicações, onde predomina o lado genital. há esta:

"Diz-se no Novo Testamento que a mulher é um vaso fraco. Os livros sagrados judeus são cheios de expressões tomadas ao simbolismo , e que não têm sido compreendidas, mas cuja interpretação, como no Cântico dos Cânticos, deu lugar a mal-entendidos."

Ora, o vaso bíblico tanto pode ser homem como mulher. Há os vasos escolhidos, os vasos de , perdição. O vaso é, o objetivo, pessoa ou cousa: nenhum simbolismo sexual.

Elaboração do sonho

Expliquemos que para Freud existe o sonho manifesto e o latente; este é oculto, inacessível à mente. O trabalho que transforma o sonho latente no manifesto chama-se elaboração: quando se quer chegar do sonho manifesto ao latente, temos a interpretação.
Do capítulo extraímos apenas estas ligeiras definições para perfeita compreensão do estudo

Pág. 161

O desconhecimento da vida pregressa faz que se lance ao caráter atual toda a lia do passado que, muitas vezes, aflora no sonho, como a salsugem que as vagas atiram à, praia. E não podendo compreender ou jus-tificar o fenômeno, metem-nos ao rosto o inconsciente freudiano, cujos absurdos espantariam, se a nossa mente já não estivesse acomodada a toda a sorte de desconchavos.

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