segunda-feira, 19 de julho de 2010

Precursores ou colegas de equipe


 
Na cidade de Curitiba faz muitos anos se realizou um evento chamado de O Século de Kardec, cuja proposta era de contextualização do pensamento do fundador do espiritismo com o ambiente cultural de seu tempo.
E quando digo cultural, me refiro a isto de uma forma mais ampla, englobando filosofia, ciência, arte e tudo o mais que a palavra cultura possa abarcar.


Um dos trabalhos apresentados me chamou a atenção naquela ocasião. Tratava do estreito vínculo entre a estrutura racional de Kardec, e a obra de Descartes, um dos meus referenciais. Segundo o trabalho, até onde a memória mo permite, o primado da razão se estabelecia soberanamente, tanto num como noutro dos autores.


Mas, o tempo faz que cotejemos novos referenciais, não para com eles concordar, mas para inserir em nosso repertório.


É nessa perspectiva que venho me acercando do pensamento de Leibniz.


Algumas vezes, lermos algum texto, e nele sentirmos, “farejamos” um conhecimento prévio. Não chega a ser um dejàvu pois está no âmbito da razão tão somente.


Isso ocorreu com o texto de Leibniz que segue adiante. Em algum ponto do livro dos Espíritos teria eu, já na juventude, me defrontado com um raciocínio não semelhante, mas idêntico. Muito embora o objeto de estudo de Leibniz nesse texto seja a mente e não Deus.


Inicialmente passemos pelo trecho de Leibniz para mais adiante verificar o que lhes alerto no que diz respeito ao nosso Kardec ou aos espíritos que com ele colaboraram. Vamos lá...


Meditação sobre o princípio de individuação.
(Meditatio De Principio Individui)
G. W. Leibniz
1º de abril de 1676

Nós dizemos que o efeito envolve [involvere] sua causa; de maneira que todo aquele que entende perfeitamente o efeito irá, também, alcançar o conhecimento da causa. Pois é necessário que haja alguma conexão entre uma perfeita [integram] causa e o efeito. Mas, por outro lado, há esse obstáculo: que diferentes causas podem produzir um efeito que é perfeitamente o mesmo.


Aqui temos a idéia de causa e efeito, mas não com a concepção mística apresentada pelos Centros Espíritas. Neste texto, dado um determinado fenômeno, tal fenômeno seria decorrente de uma causa. E pronto. Nada a ver com aspectos existenciais.

Kardec, na Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, em O Livro dos Espíritos, se vale desse raciocínio.
Em primeiro lugar explica a alma segundo a concepção materialista. Em seguida, dá a saber, em suas palavras, a questão grega da Theoria, a concepção do cosmos como a perfeição maior a qual o homem deveria seguir, tal concepção advogava a idéia do homem se reintegrando ao Cosmos, perdendo assim a sua individualidade.
(para maiores detalhes sobre a Theoria grega ler Luc Ferry, Aprender a viver, cap. 2).
Vejamos kardec:


Segundo uns, a alma é o princípio da vida material orgânica. Não tem existência própria e se aniquila com a vida: é o materialismo puro. Neste sentido e por comparação, diz-se de um instrumento rachado, que nenhum som mais emite: não tem alma. De conformidade com essa opinião, a alma seria efeito e não causa.


Pensam outros que a alma é o princípio da inteligência, agente universal do qual cada ser absorve uma certa porção. Segundo esses, não haveria em todo o Universo senão uma só alma a distribuir centelhas pelos diversos seres inteligentes durante a vida destes, voltando cada centelha, mortos ou seres, à fonte comum, a se confundir com o todo, como os regatos e os rios voltam ao mar, donde saíram. Essa opinião difere da precedente em que, nesta hipótese, não há em nós somente matéria, subsistindo alguma coisa após a morte. Mas é quase como se nada subsistisse, porquanto, destituídos de individualidade, não mais teríamos consciência de nós mesmos. Dentro desta opinião, a alma universal seria Deus, e cada ser um fragmento da divindade. Simples variante do panteísmo.
Segundo outros, finalmente, a alma é um ser moral, distinto, independente da matéria e que conserva sua individualidade após a morte. Esta acepção é, sem contradita, a mais geral, porque, debaixo de um nome ou de outro, a idéia desse ser que sobrevive ao corpo se encontra, no estado de crença instintiva, não derivada de ensino, entre todos os povos, qualquer que seja o grau de civilização de cada um. Essa doutrina, segundo a qual a alma é causa e não efeito, é a dos espiritualistas.

No texto da conclusão do Livro dos Espíritos, esse tipo de raciocínio ainda se apresenta:

Se é certo que, entre os adeptos do Espiritismo, se contam os que divergem de opinião sobre alguns pontos da teoria, menos certo não é que todos estão de acordo quanto aos pontos fundamentais. Há, portanto, unidade, excluídos apenas os que, em número muito reduzido, ainda não admitem a intervenção dos Espíritos nas manifestações; os que as atribuem a causas puramente físicas, o que é contrário a este axioma: Todo efeito inteligente há de ter uma causa inteligente; ou ainda a um reflexo do nosso próprio pensamento, o que os fatos desmentem. (Grifo meu)




Me parece claro que, estes espíritos ligados à filosofia, por suas preocupações com a ética, com a formação de um mundo melhor em nosso planeta, de uma forma ou de outra contribuíram para a formação do arcabouço teórico que resultou no trabalho de Kardec. Suas  idéias perpassam toda a obra segundo consigo perceber.

E Kardec, por sua seriedade e formação humanista foi sem dúvida o núcleo aglutinador de todas estas inteligências precedentes na Terra. Aqui me refiro a Descartes, Leibniz, Rousseau e, por suposto Kant entre outros.
Está claro também o fato das ideias propostas por Kardec nada trazerem de novo pelo fato de serem elas de uma certa forma componentes do senso comum entre os espíritos pensantes desde o Renascimento. A idéia da imortalidade da alma então, tem ainda mais remota a sua raiz.

Ou não?

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